A introdução da Butantan-DV, primeira vacina de dose única contra a dengue no mundo, e com produção nacional, no Sistema Único de Saúde (SUS), a partir de 2026, promete mudar os rumos do combate à doença responsável pela morte de milhares de brasileiros. No entanto, especialistas em Saúde ressaltam que a vacinação isoladamente pode não ser suficiente para evitar novos surtos da doença, como o que ocorreu em 2024.
“A vacinação é mais uma aliada contra a dengue. As medidas de controle do mosquito devem permanecer, por intermédio da educação da população e medidas como as Estações Disseminadoras de Larvicidas, o método Wolbachia, a borrifação residual nas residências, entre outras, e com a participação efetiva da visita dos agentes de saúde nos domicílios”, explica a professora Carla Pintas, doutora em Saúde Coletiva da Universidade de Brasília.
Em artigo publicado pela Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, cientistas afirmam que a epidemia de dengue que ocorreu em 2024 foi a pior da história do país. Naquele ano, foram registrados 6.321 óbitos pela doença e cerca de 6,5 milhões de casos prováveis, segundo dados do Painel de Monitoramento de Arboviroses do Ministério da Saúde. Em 2023, foram contabilizadas 1.179 mortes e aproximadamente 1,65 milhão de casos prováveis.
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O estudo mostra que entre janeiro de 2020 e junho 2024, o país contabilizou 6.445 mortes por dengue; ante 2.859 no mesmo período de 2010 a 2014; e 1.512 entre 2000 e 2004.
Contudo, neste ano, a incidência da dengue teve uma queda vertiginosa, que pode ser explicada pelo comportamento sazonal da doença. Foram registrados 1,6 milhão de casos prováveis de dengue até o final de novembro deste ano, o que representa uma queda de 75% em comparação ao mesmo período do ano passado, e 1,6 mil óbitos, redução de 72% em relação a 2024.
“A dengue tem um comportamento sazonal e cíclico, em que é registrada uma redução [de casos] em determinado período, seguido por picos epidêmicos, como o vivenciado em 2024”, ressalta a médica Fabiana Soares, mestre em Saúde da Família e Comunidade pela Fiocruz e pediatra no Hospital Universitário de Brasília.
Outros fatores, entre eles mudanças climáticas, aumento de chuvas e da temperatura, falta de saneamento básico e carência no número de agentes de saúde em determinadas localidades também têm um papel importante na proliferação do mosquito aedes aegypti. Fabiana também ressalta a importância de ações específicas para cada localidade. “Quando o poder público investe em ações integradas e adaptadas à realidade de cada território, os resultados tendem a ser mais consistentes e duradouros”, diz.
Imunização
Desde 2024, o SUS oferece a vacina Qdenga, do laboratório Takeda, mas apenas para adolescentes de 10 a 14 anos e aplicada em duas doses. Em dois anos, foram distribuídas 11,1 milhões de doses, com 7,8 milhões efetivamente administradas.
Já a Butantan-DV teve registro concedido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em 8 de dezembro e, na última sexta-feira (19), o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, assinou contrato para aquisição do imunizante produzido pelo entidade ligada ao governo de São Paulo. A ampliação do público-alvo com a vacina brasileira, que terá entre primeiros beneficiados trabalhadores da atenção primária à saúde, seguidos pelos adultos de 59 anos, traz uma nova esperança aos brasileiros.
Além da imunização, o governo federal anunciou em novembro deste ano que vai ampliar o uso de tecnologias de controle vetorial para redução da incidência da dengue, como o método Wolbachia, que consiste em introduzir uma bactéria no mosquito Aedes aegypti, tornando-o incapaz de transmitir esses vírus e, em seguida, liberando os insetos na natureza. Ao todo, estima-se que o governo invista R$ 183,5 milhões em tecnologias de contenção da dengue.
Além disso, com o acordo com o Butantan, devem ser investidos R$ 368 milhões no fornecimento inicial de 3,9 milhões de doses para a rede pública. “Hoje é um dia de grande vitória para o Brasil. Como ministro da Saúde, eu não queria encerrar o ano sem firmar este contrato. Este é um dos marcos de um ano de importantes recordes na área da saúde, fruto do trabalho com o Instituto Butantan. A assinatura é essencial para garantir que as vacinas cheguem ao Ministério da Saúde e sejam distribuídas em todo o país”, disse Alexandre Padilha, durante a cerimônia de assinatura do contrato.
Com a chegada das primeiras doses, o Ministério da Saúde adotará, em janeiro, uma estratégia de vacinação para avaliar o impacto do imunizante na dinâmica populacional da dengue. A ação prevê a aceleração da vacinação em Botucatu (SP) e Maranguape (CE), além de Nova Lima (MG).
*Colaborou Paulo Leite

