‘Transexual não tem direito de viver em paz?’, desabafa pai de mulher morta

por Assessoria de Imprensa


O velório de Alice Martins Alves, de 33 anos, foi marcado por comoção e revolta. Familiares, amigos e militantes da causa LGBTQIAPN+ prestaram as últimas homenagens à mulher trans. O enterro aconteceu na tarde dessa segunda-feira (10/11), no Cemitério Parque da Colina, na Região Oeste de Belo Horizonte. Alice morreu, nesse domingo (9), após ter sido brutalmente agredida por um desconhecido, na Savassi, Região Centro-Sul.

“Será que um homossexual não tem direito a viver?”. O questionamento do pai da vitima, Edson Alves Pereira reflete o sofrimento e indignação pela perda da filha, com quem morava junto no bairro Betânia, também na Região Oeste. “Perdi uma grande amiga, parceira, minha companheira de assistir filmes e tomar uma cervejinha em casa”, relatou.

O pai contou que a filha estava no Rei do Pastel, na Rua Sergipe, quando atravessou em direção à Avenida Getúlio Vargas. “Três caras estavam esperando por ela. Agrediram violentamente. Quebrou o nariz, várias costelas, e parece que pisaram nas pernas dela, que ficaram roxas. Foi socorrida pelo Samu, não fizeram exames como radiografia ou tomografia. Ela foi encaminhada para a UPA Centro-Sul e em seguida chamou um uber e foi para a casa”, disse ele.

Durante a madrugada, Edson acordou e foi ver Alice. Ao abrir a porta do quarto ela disse: “Pai, olha o que fizeram comigo”. O pai afirmou que esteve no local do crime, tentou imagens e analisou câmeras de segurança, mas ninguém forneceu nada. “Depois que ela voltou para a casa foi só luta. Ela começou a vomitar, não conseguia se alimentar, perdeu 13 quilos. Estava muito fraca e com muita dor”, comentou.

Alice, conforme contou o pai, sempre saía sozinha, gostava de se arrumar e maquiar. “Ela deitava no meu colo, eu fazia carinho na cabeça dela e toda hora ela falava: ‘pai, eu te amo’. Edson revelou ainda que Alice costumava sair nas quartas e quintas-feiras para a região da Savassi, e sempre ia ao Rei do Pastel, nas unidades 1,2 e 3.

O pai ainda disse que a filha estava com um pressentimento ruim antes do ocorrido. “Há uns três meses ela estava em casa, não estava saindo. Falava: ‘ah pai, não vou sair, estou com medo’. Insisti para que ela saísse um pouco, já estava muito tempo só em casa, e acontece uma coisa dessas”, lamentou em lágrimas.

“Que ódio é esse?”

Em entrevista à imprensa, Pereira compartilhou como foi a relação entre pai e filha. “No principio tem um machismo, no qual fomos educados. Mas desde pequena ela já demonstrava essa tendência. Fui mudando o coração e aceitei. Ela é uma mulher trans”, ressaltou. Segundo ele, desde então escolheu ser amigo.

“Deixei de viver a minha vida para acompanhar a minha filha. Ela perdeu amigos, deixei de sair para fazer companhia. Eu sou pai, amigo. Já enfrentei pessoas que questionavam ela usar o banheiro feminino. Que ódio é esse? Tem que respeitar, não tem jeito de mudar, não existe tratamento. Precisa haver uma postura de amor ao ser humano. Eles têm direito de viver”, protestou Edson, que acredita que a violência contra a filha foi um crime de ódio.

A militante LGBT+, Malu Almeida também prestou homenagens à Alice e ressaltou estar ajudando a família a tomar as devidas providências. Ela ressaltou o cenário de brutalidade contra essa população. 

“Não tem 20 dias que enterramos uma pessoa trans em BH. A vida de pessoas trans também importa. Nesse momento conseguimos, pelo menos, atrair a atenção das pessoas para verem o descaso que acontece com a nossa comunidade. Sofremos isso no nosso cotidiano, seja com uma risada, uma piada, um apontamento na rua, e o resultado disso é um homicídio. Só vamos mudar alguma coisa, se a sociedade compreender que pessoas trans também são seres humanos”, desabafou ela.

À reportagem, a irmã da vítima, Ana Júlia contou que não conheceu Alice em vida e mencionou, entre lágrimas, como recebeu a notícia. “Foi devastador. Ficamos muito abalados. Fiquei com aquele peso de que poderia ter feito alguma coisa. Saber que sou irmã dela e não fiz nada é triste demais”, lamentou. As duas são filhas de mães diferentes, e segundo Ana, houveram tentativas de encontros, mas por escolha da vítima, acabaram nunca se conhecendo.  

Como aconteceu o crime?

Na madrugada de 23 de outubro, Alice foi atacada por um homem, acompanhado de dois outros que riam e zombavam da violência. Segundo o boletim de ocorrência, registrado pela própria vítima em 5 de novembro, o agressor era alto, branco, de cabelos castanhos escuros ou pretos, vestia calça jeans e blusa preta. A mulher afirmou não conhecer o homem e relatou que a agressão foi inesperada e sem motivo aparente, o que caracteriza um ato de transfobia. 

Após a agressão, Alice perdeu a consciência e foi socorrida pelo Samu, sendo encaminhada para a UPA Centro-Sul. Em 2 de novembro, ela foi levada de ambulância para o Pronto Atendimento da Unimed Contagem, onde exames apontaram fraturas nas costelas, cortes no nariz e desvio de septo. Segundo o pai, ela passou os dias seguintes debilitada e com dores abdominais intensas.

No sábado (8/11), os médicos diagnosticaram uma perfuração no intestino, possivelmente causada por uma das costelas quebradas ou, segundo suspeita do pai, agravada pelo uso de anti-inflamatórios após a agressão. Alice foi submetida a uma cirurgia de emergência, mas não resistiu à infecção generalizada.

Cinco dias após o registro, e quase 20 após a agressão, ninguém foi preso. Procurada, a Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) se limitou a informar em nota: “O caso é investigado pelo Núcleo Especializado de Investigação de Feminicídios (Neif) do Departamento Estadual de Investigação de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP)”.

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