“Hum…”, murmurou Tiago Splitter, antes de responder a cada uma das 16 perguntas que ouviu na entrevista coletiva que concedeu no último dia 24. Ele assumia interinamente o comando do Portland Trail Blazers, um dia após a prisão do técnico Chauncey Billups, acusado de participação em jogos manipulados de pôquer.
“É a vida”, resumiu o ex-atleta de 40 anos, em um tom que o armador Jrue Holiday chamou de “estoico”. “Honestamente, é um momento difícil. Mas eu preciso fazer o meu trabalho”, afirmou, repetindo frases como: “As coisas aconteceram, e agora precisamos pensar no próximo passo, basquete“.
O catarinense se tornou, assim, o primeiro brasileiro a assumir o posto de treinador principal da NBA, a prestigiada liga norte-americana de basquetebol –ainda que, por ora, na condição de interino. Em uma situação desconfortável, fugiu de perguntas específicas sobre a prisão de Billups e reiterou que só tinha uma coisa a fazer: concentrar-se no esporte.
O Portland, desde então, tem seis vitórias e quatro derrotas. O time, que na temporada passada teve a 22ª melhor campanha entre os 30 participantes do campeonato, com 36 triunfos e 46 reveses, vem criando dificuldades para os adversários com base em um jogo de velocidade.
“Nós não temos um jogador dominante de ‘pick and roll'”, disse Splitter, referindo-se ao jogo de corta-luzes tão importante no basquete, especialmente nas últimas décadas. “Então, o que nós vamos fazer? Nós vamos fazer infiltrações, vamos fazer cortes, vamos arremessar. Vamos jogar em modo veloz! Essa é a ideia.”
Foi assim que os Blazers impuseram aquela que até agora é a única derrota em 13 partidas do atual campeão, o Oklahoma City Thunder, franco favorito ao título. A equipe de Tiago perdia por 22 pontos e buscou uma virada que chamou a atenção da NBA.
Desde abril de 2021 o Portland não batia o Thunder. Com sua defesa agressiva, forçou 15 desperdícios de bola do habitualmente preciso adversário e conseguiu limitá-lo a baixíssimos 25,9% de aproveitamento nos arremessos do terceiro quarto, decisivo para o resultado, 121 a 119.
A temporada 2025/26 ainda é uma criança. É evidentemente prematuro tirar conclusões profundas após três semanas, particularmente na dura Conferência Oeste. Mas é inegável que o desempenho dos Blazers seja surpreendente, com vitórias sobre times que se colocam como postulantes ao título –caso do Thunder e também de Denver Nuggets, Los Angeles Lakers e Golden State Warriors.
“Há um motivo para ele estar aqui. É um cara talentoso”, afirmou Steve Kerr, nove vezes campeão da NBA, vencedor como jogador e como treinador. “Ninguém queria que fosse dessa maneira, mas há um motivo para Splitter estar aqui”, acrescentou, mencionando a prisão de Billups. Logo em sua estreia, Splitter liderou um triunfo por 139 a 119 do Portland sobre o Golden State, de Kerr e do único jogador brasileiro atualmente na liga, Gui Santos.
Tiago, um ala-pivô que fez parte da seleção brasileira nas duas primeiras décadas deste século, foi muito cedo para a Europa. Estabeleceu-se na Espanha, como um dos grandes nomes do basquete no Velho Continente, e chegou à NBA em 2010.
Antes protagonista, virou coadjuvante nos Estados Unidos. Em 2014, tornou-se o primeiro brasileiro campeão da NBA, pelo San Antonio Spurs. Foram sete anos na liga norte-americana –passou também por Atlanta Hawks e Philadelphia 76ers–, durante os quais entendeu que gostaria de ser treinador.
Teve participação importante nesse processo o lendário Gregg Popovich, seu comandante nos Spurs. A honestidade com que o técnico tratava qualquer assunto virou um pilar para o brasileiro, cujo sorriso aparentemente despreocupado escondia um atleta determinado.
Seu talento não era proporcional ao de Gustavo Kuerten, maior tenista brasileiro, mas seus quadris eram muito parecidos. As dificuldades físicas fizeram de Tiago o primeiro jogador da história da NBA a atuar com uma prótese de quadril.
Chegou um momento em que nova cirurgia se fazia necessária, e o catarinense entendeu que era a hora de parar de jogar. Ele passou a integrar comissões técnicas da NBA em 2019. Esteve no Brooklyn Nets e no Houston Rockets antes de voltar à Europa.
Na temporada 2024/25, Splitter conduziu um excelente trabalho no Paris Basketball. Campeão da Liga Francesa e da Copa da França, levou o time aos “playoffs” da Euroliga, em sua primeira participação no grande torneio europeu. E foi chamado de volta aos Estados Unidos, para trabalhar com Chauncey Billups no Portland.
Billups, após o primeiro jogo da temporada, foi preso. A direção dos Blazers consultou um de seus auxiliares, o experiente Nate Bjorkgren, 50, sobre o rumo a tomar. E empoderou o outro assistente, Tiago.
“Eu estava dormindo e meu telefone começou a apitar. Claro que não esperava que algo como aquilo acontecesse. Fui vendo as notícias, fui ao centro de treinamento, falei com meu agente. E aí, algumas horas depois, eu era o treinador principal. Foi uma situação estranha”, descreveu.
Splitter lidou com essa situação de maneira hábil. Ofereceu a cada atleta um café ou um almoço, particular. E procurou mostrar que tinha estofo para liderar o time do ponto de vista tático.
“Ele tem maturidade e tem um jeito de comportar-se que nos equilibra. Seu modo de agir é muito estoico. Nós sentimos confiança quando ele fala, todos ouvem”, afirmou Jrue Holiday, 35, campeão em 2021 com o Milwaukee Bucks e em 2024 com o Boston Celtics.
Quando menciona o estoicismo do brasileiro, Holiday se refere à sua capacidade de manter-se imperturbável, calmo, durante a tempestade. Já era esse o seu temperamento, mas foi algo maturado com a morte de sua irmã, com leucemia, no momento em que ele vivia seu auge no basquete europeu.
“O basquete era a minha válvula de escape”, recordou, em longo texto em primeira pessoa publicado no UOL em 2019.
Agora, em Portland, em cenário espinhoso, ele novamente procura concentrar-se no basquete.
“Sabe, no fim, não é difícil, para ser honesto”, disse Tiago, em seu tom característico, questionado sobre o plano tático dos Blazers: “Você põe um mais um, dá dois”.

