Que Jogo É Esse: A Copa dos deslocados

por Assessoria de Imprensa


A Copa do Mundo com 48 seleções sempre trouxe aquele incômodo inicial: o inchaço, a chance de jogos mornos, a sensação de que a qualidade técnica ia derreter como gelo no verão americano. Era quase consenso: a ampliação servia mais à política da Fifa do que ao futebol. Só que, conforme as últimas rodadas das Eliminatórias se fecharam, algo inesperado apareceu: um aumento enorme, e até emocionante, na quantidade de boas histórias que este Mundial promete contar.

Boa parte delas passa por uma palavra que parece até inventada para 2026: diáspora. Não na definição acadêmica, mas naquela prática do século XXI: povos que vivem dentro e fora de seus países ao mesmo tempo, famílias espalhadas por três continentes, identidades que sobrevivem no idioma, no sobrenome, no WhatsApp e, claro, no futebol. Quando você olha a lista das classificadas, percebe que muitas seleções falam menos do seu território e mais das suas pessoas, inclusive as que não moram lá há décadas.

O Haiti talvez seja o caso mais simbólico. Um país que não consegue sediar seus jogos, atravessado por violência, crise política e pobreza extrema — e cuja seleção é formada quase inteira por jogadores da diáspora nos EUA, Canadá e França. O técnico nunca pisou no território que representa. E, ainda assim, o Haiti está na Copa. Está como existe no mundo: por meio de quem saiu, de quem carrega o país nos nomes, nas músicas, na memória. É um time nacional de um país que, na prática, hoje só consegue existir longe de casa.

Curaçao é outro retrato perfeito deste Mundial: uma ilha minúscula que só tem seleção competitiva porque, historicamente, foi moldada pela Europa. Quase nenhum jogador nasceu ali; a maioria veio das bases holandesas, de cidades onde o papiamento é falado com sotaque caribenho e cadência europeia. Curaçao não chega à Copa pelo tamanho do território, mas pelo tamanho do pertencimento — a noção de que origem pode ser mais afetiva do que geográfica. No futebol, é um país que existe mais nos aeroportos da Holanda do que no Caribe.

E tem Cabo Verde, o exemplo mais didático de todos. Um arquipélago em que metade da população vive nas ilhas, e a outra metade vive no mundo. A seleção cabo-verdiana reflete exatamente isso: um mosaico de jogadores de Portugal, França, Holanda, EUA. Gente que não cresceu nas ilhas, mas veste a camisa como quem volta para casa. Cabo Verde é uma nação que aprendeu a existir em trânsito. A Copa só confirma essa identidade.

E se ampliarmos o mapa, a lógica se repete. Marrocos e Senegal são projetos afro-europeus inteiros. Panamá é a seleção do país que liga oceanos e, curiosamente, também ponte humana entre continentes. Austrália e Canadá são construções migratórias desde a origem. Jordânia, Egito, Irã: todos carregam pedaços de sua gente vivendo fora: muitas vezes por necessidade, não por escolha.

No fim das contas, a Copa de 48 seleções talvez não entregue o corte técnico das edições antigas. Mas entrega algo mais valioso: um retrato do mundo como ele é. Um planeta que se move, que se espalha, que se mistura. Uma Copa que não fala só de futebol, mas das pessoas que carregam seus países nas costas, nos pés e, muitas vezes, no passaporte onde aprenderam a chutar.

Um torneio feito para um mundo que já mudou. E para um futebol que está mudando junto.

A classificação à Libertadores mais impressionante do ano é, claro, a do Mirassol, que carimbou vaga nesta quinta-feira. Mas vale um olhar atento também para o Botafogo, que pode garantir sua presença no torneio já neste sábado, caso vença o Grêmio.

E aqui a graça não está no que o time foi em 2025 — uma decepção conhecida na disputa por títulos —, mas no que o clube virou nesses últimos anos quando a gente olha a história inteira e não só o capítulo ruim.

Antes da SAF, o Botafogo demorou 21 anos para disputar apenas três Libertadores (1996, 2014 e 2017).

Depois de Textor, o filme muda completamente. Ano a ano, a briga por vaga virou rotina:

  • 2022 – disputou vaga até a última rodada
  • 2023 – vaga garantida com 3 rodadas de antecedência
  • 2024 – vaga garantida com 7 rodadas de antecedência
  • 2025 – pode garantir com 4 rodadas de antecedência

Primeira classificação para duas Libertadores consecutivas (2024 e 2025), que pode virar três. Coisa que Inter e Vasco nunca conseguiram e que alguns times com mais presença não alcançam há algum tempo:

  • Cruzeiro (1975, 1976 e 1977)
  • Santos (2003, 2004 e 2005)
  • São Paulo (2006, 2007 e 2008)
  • Corinthians (2010, 2011 e 2012)

É inegável que o modelo de Textor fez mal ao clube em 2025. Mas também é fato que o patamar mudou — e mudou de um jeito que deixa o torcedor intrigado, esperançoso e desconfiado ao mesmo tempo. Os próximos passos da SAF vão dizer se esse avanço vira projeto… ou só memória.

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