projeto percorre arenas culturais da Zona Norte com peça sobre presidiárias e oficinas para mulheres

por Assessoria de Imprensa


“Às vezes, as grades são invisíveis.” Com essa frase, a atriz e poetisa Geovana Pires define o espírito do projeto Versos de Liberdade, que até 19 de dezembro percorre as arenas culturais da Zona Norte com oficinas gratuitas de poesia falada.

Além das oficinas, o projeto — idealizado por Geovana e realizado pela Casa Poema, instituição fundada por ela e por Elisa Lucinda — culmina na apresentação do espetáculo “Perigosas damas”, ministrado e protagonizado pela atriz e inspirado no livro “Histórias de um silêncio eloquente”, de Thaís Dumêt, que resgata o início do sistema prisional feminino no Brasil, no início do século XX. O projeto conta com patrocínio da prefeitura do Rio, por meio da Secretaria municipal de Cultura.

As atividades são realizadas nos mesmos dias das apresentações, das 14h às 18h, nas areninhas Terra (em Guadalupe, de terça a sexta-feira da semana que vem), Herbert Vianna (na Maré, de 10 a 14 de novembro) e Carlos Zéfiro (em Anchieta, de 15 a 19 de dezembro). Todas as atividades e apresentações têm entrada franca.

No espetáculo, histórias reais se transformam em arte na interpretação de Geovana Pires — Foto: Divulgação/Guga Melgar
No espetáculo, histórias reais se transformam em arte na interpretação de Geovana Pires — Foto: Divulgação/Guga Melgar

As oficinas são voltadas principalmente para mulheres e têm como proposta usar a palavra como ferramenta de libertação emocional, simbólica e social. Para Geovana, essa é uma forma de devolver à arte o seu papel transformador.

— As mulheres sempre estiveram cercadas por algum tipo de prisão, seja visível ou invisível. A poesia as liberta de todas as classes sociais — diz a atriz. — Quando oferecemos uma oficina para quem sofreu violência ou exclusão, não oferecemos uma salvação, mas uma possibilidade de salvação. A palavra ajuda a traduzir o que sentimos e, quando isso acontece, a liberdade começa dentro da gente.

A Casa Poema, responsável pelas formações, atua há quase duas décadas levando a poesia como ferramenta de transformação social. Ao longo desse tempo, a instituição desenvolveu projetos em comunidades, quilombos, unidades socioeducativas e abrigos, além de atuar com a população de rua e com grupos trans.

O objetivo é reconectar oralidade e literatura como formas de autoconhecimento e expressão, fortalecendo a autoestima, a autoconfiança e o poder de comunicação das participantes. As oficinas também buscam capacitar profissionais para aplicar a palavra e a poesia no cotidiano, valorizando a literatura brasileira e a tradição do dizer poético, com destaque para autores e autoras de língua portuguesa.

Geovana, nascida em Belford Roxo, na Baixada Fluminense, vê no projeto uma forma de retornar às suas origens e retribuir o que a arte lhe proporcionou.

— Há 30 anos, quase não havia possibilidades artísticas na minha cidade. Estar no subúrbio com esse projeto é como voltar à fonte. A poesia tem o poder de transformar, e é lá que ela precisa estar — afirma.

Expressão. “Perigosas damas” destaca a voz feminina como instrumento de reflexão e transformação social — Foto: Divulgação/Guga Melgar
Expressão. “Perigosas damas” destaca a voz feminina como instrumento de reflexão e transformação social — Foto: Divulgação/Guga Melgar

Peça combina teatro e rap

O espetáculo “Perigosas damas” nasceu de uma longa pesquisa e de experiências vividas por Geovana e Elisa em projetos sociais dentro de penitenciárias, realizados pela Casa Poema. No palco, as dores e resistências de mulheres reais ganham corpo e voz por meio da poesia, da música e do teatro.

Geovana aborda o sexismo, a opressão e, sobretudo, a liberdade por meio de vivências femininas reais do passado, mas que se assemelham com a realidade atual de muitas mulheres. Ela ressalta que a peça fala de prisões que vão além das celas físicas:

— Ao longo da história, criaram-se leis e mecanismos para encarcerar mulheres em manicômios, conventos e prisões, simplesmente por serem sexualizadas, lésbicas, extrovertidas, inteligentes ou diferentes do padrão social imposto. No processo de ensaio, percebi que não estávamos falando apenas delas. Eu também me vi nelas. A dramaturgia nasceu dessa identificação, de um coletivo de mulheres com histórias distintas, mas feridas semelhantes.

Com direção de Denise Stutz e direção musical de Soraya Ravenle, a peça é interpretada por Geovana, que alterna cenas inspiradas em relatos históricos com versões em rap de poemas de Elisa Lucinda, musicadas por Soraya.

Arte. Em cena em “Perigosas damas”, Geovana Pires interpreta vozes esquecidas da história — Foto: Divulgação/Guga Melgar
Arte. Em cena em “Perigosas damas”, Geovana Pires interpreta vozes esquecidas da história — Foto: Divulgação/Guga Melgar

Para a diretora musical, o espetáculo também é uma celebração da cultura popular e de suas formas de resistência.

— O rap e o funk carregam as marcas da dor e da resistência, assim como o samba e tantas outras expressões da cultura brasileira. Essas opressões não ficaram no passado; elas ainda estão na sociedade, na música, na poesia, no teatro. A poesia da Elisa Lucinda não estereotipa; pelo contrário, dignifica as vozes femininas silenciadas — explica.

A artista também enxerga a arte como uma forma de espiritualidade:

— É a fé na vida, a fé na arte que traz a possibilidade de outros pensamentos, de outras maneiras de olhar o mundo. Cantar é uma forma de oração, estar em cena é uma forma de oração. A arte é uma forma de cura, no sentido de nos reconectar com uma existência mais ampla, sensível e amorosa.

A diretora Denise Stutz reforça que o desafio da criação foi transformar dor em reflexão e promover uma escuta empática.

— Eu escutei a mulher periférica através da Geovana. Não posso falar da experiência que não tenho, mas posso me indignar com a desigualdade e o machismo — diz. — A ponte com o público das areninhas já existe na própria linguagem da peça, o ritmo do rap e do funk, a força das histórias e a presença da Geovana.

Com uma equipe formada majoritariamente por mulheres, “Perigosas damas” propõe um olhar sensível e crítico sobre o feminino, o cárcere e as estruturas que limitam a liberdade.

Elisa Lucinda, que participa do espetáculo com poemas e o prefácio do livro que o inspirou, vê a montagem como um ato de resistência.

— A humanidade ainda não se deu conta do processo de escravização que o feminino sofreu. São inúmeras prisões: psicológicas, sexuais, morais. Esse espetáculo é, de certa forma, um manifesto contra o feminicídio — afirma.



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