Os oceanos cobrem 71% da superfície terrestre e consomem ou são capazes de absorver quase 40% do CO² que está na atmosfera. Os dados compilados pela Organização não Governamental Oceana dão a dimensão da importância desse ecossistema para o mundo, mas também alertam para a tragédia climática a que ele está sujeito se não houver regulação sobre questões como poluição e pesca. Em entrevista ao Podcast do Correio, o diretor-geral da Oceana no Brasil, Ademilson Zamboni, falou sobre a relevância da aprovação do PL nº 4789/2024, que institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável da Pesca, e a necessidade de conter o descarte de plásticos nas águas salgadas. “Bilhões de pessoas vivem das atividades que ocorrem nos oceanos. Isso, por si só, já é um grande motivo para tomarmos conta dos oceanos no mundo todo, mas infelizmente não é isso que a gente tem observado”, afirma. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.
Por que é importante discutirmos a preservação dos oceanos?
Os oceanos cobrem 71% da superfície terrestre. Consomem ou são capazes de absorver mais de quase 40% do CO² que está na atmosfera. Produzem mais de 50% do oxigênio que nós respiramos. Mais de 1 bilhão de pessoas vivem, têm na pesca e nos oceanos uma refeição saudável todos os dias. E bilhões de pessoas vivem das atividades que ocorrem nos oceanos. Isso, por si só, já é um grande motivo para tomarmos conta dos oceanos no mundo todo, mas infelizmente não é isso que a gente tem observado. Nós produzimos nos oceanos principalmente o peixe, que é uma proteína de alta qualidade nutricional e de muita disponibilidade.
Existe a falsa percepção de que a poluição dos oceanos não é tão preocupante?
Os oceanos não produzem, por si só, nenhum tipo de poluente. Ele não produz plástico, não produz nenhum tipo de químico. Nós temos as reservas armazenadas de carbono, nós temos reservas de petróleo armazenadas lá dentro, mas alguém vai lá retirar aquilo do subsolo. Quem retira é a sociedade. Então, isso é um ponto importante, a escala já é um primeiro ponto. E quando nós trazemos para o Brasil, eu costumo dizer que a nossa relação, com o mar de forma geral, é uma relação muito superficial. Nós somos um país voltado de costas para o mar, apesar de ter uma costa com quase 8 mil km de extensão. A nossa relação com o mar vai até onde a água dá pé, na praia. Passou daqui, não é mais comigo. A não ser, claro, as profissões e as atividades que são tradicionalmente desenvolvidas ali, mas que não são a maioria dos brasileiros. Então, existe um desafio também, não só cientificamente, mas socialmente, de ampliarmos a nossa relação com os oceanos.
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As ações de quem está longe do mar também influenciam?
Alguns anos atrás, a Oceana fez uma uma ação e projetou no Congresso Nacional o início de uma campanha que hoje se chama Pare o tsunami de plástico, que mostrava como nós estamos inundando os oceanos de plástico. E, ao mesmo tempo, nós precisávamos ter uma regulação. Foi a primeira vez que nós aproximamos o oceano do Cerrado, trazendo o oceano para Brasília. Isso significa trazer para uma casa regulatória, uma casa que cria legislações, o olhar para um tema que se vê muito pouco do ponto de vista da conservação e do ponto de vista dos problemas que nós causamos. Como eu disse, o oceano não produz poluição. Toda fonte de poluição dos oceanos é baseada em terra. Seja por carreamento de fertilizantes que vão produzir eutrofização nas águas, seja pelos rios que carregam plástico, seja por derrame de petróleo, seja por esgoto, seja pela péssima ocupação que nós fazemos nas nossas grandes cidades litorâneas, que contribuem para toda sorte de danos à zona costeira e principalmente por você estar tirando em alguns lugares o manguezal, que é um elemento de transição e de proteção.
Assista à íntegra do Podcast:
 
30/10/2025 Bruna Gaston CB/DA Press. Podcast do correio recebe Ademilson Zamboni, diretor geral da Oceana no Brasil. Na bancada Mariana Niederauer e Aline Gouveia
(foto: Bruna Gaston CB/DA Press)
Quais são os principais objetivos da Oceana?
Olhando para o cenário global, nos anos 2000 mais ou menos, um estudo feito nos Estados Unidos mostrou que, de todo o recurso filantrópico que ia para o meio ambiente, especialmente nos Estados Unidos, 0,01% era para financiar pesquisas ou organizações que trabalhassem na proteção de oceanos. Com base nisso, um grupo de grandes fundações achou que era a hora de criar uma organização não governamental, sem fins lucrativos, isenta politicamente e baseada em ciência, que fosse capaz de levar em frente uma missão um pouco ambiciosa, que é de proteger os oceanos e alimentar o mundo. A Oceana é criada nesse momento, nos Estados Unidos ,e depois se expande para muitos outros países. Nós estamos, hoje, na América Latina, na América Central, toda a América do Norte, na Europa, na Ásia e estamos abrindo nosso primeiro escritório em Gana, na África. E o primeiro problema que nos dispusemos a enfrentar é sobre a pesca. Pescar mais do que nós poderíamos pescar, isso tem um impacto grande sobre vários ecossistemas. E também o combate à poluição, proteger habitats que são sensíveis, como os corais, os manguezais, as zonas costeiras e o mar profundo. Também conseguimos fazer com que os países comuniquem suas informações e mostrem seus dados sobre como protegem os oceanos, como produzem, como pescam.
Qual a sua avaliação sobre a presença dos oceanos na agenda climática global?
Na agenda climática, até aqui, os oceanos não eram pauta. Nunca foram pauta. Primeiro porque estamos trabalhando no campo da mitigação. Vamos reduzir as emissões dos países para que nós alcançássemos o objetivo de não ter um aquecimento global no nível que nós estamos tendo. E os oceanos são o contrário. Eles são a solução para a crise climática. Eles absorvem CO², eles não produzem CO². Então ele é um regulador climático. Por isso não existia nada pensado para os oceanos, mas o que nós estamos observando agora é que os fenômenos que acontecem no oceano também têm uma escala tão gigantesca que qualquer mudança significativa, por exemplo, na distribuição de temperatura, provoca um outro nível de efeitos que afetam as comunidades costeiras, as grandes cidades e assim por diante. Estamos falando dos eventos extremos. E como é que nós vamos nos adaptar a isso? Há duas linhas no trato das questões climáticas, que são a mitigação, a redução de emissões; e a adaptação, como nós vamos sobreviver a essas condições. Nessa segunda é onde os oceanos têm hoje um protagonismo maior, e também a compreensão de que os oceanos promovem ajuda na regulação climática.
A COP30 sendo no Brasil ajuda nessas articulações, ou simplesmente não dava mais para esperar?
Tem dois momentos importantes. O primeiro momento foi em junho quando nós tivemos a Conferência das Nações Unidas para os Oceanos (Unoc), que aconteceu na França, este ano. Ali, o presidente Lula levou uma agenda de oceanos pela primeira vez, e o presidente da França (Emmanuel Macron) também estava muito envolvido com isso. A França tem uma um histórico de ciências oceânicas importante, a Europa de forma geral. E a sociedade civil também esteve em peso lá. Isso gerou um movimento em torno desse assunto. E conseguimos, na verdade, é, de início na França até Belém, que isso não morresse, que isso avançasse. E vamos lembrar que é uma COP não é uma COP para o Brasil, é uma COP internacional que ocorre no Brasil. Olhando também as outras organizações que estão vindo de fora para o Pavilhão dos Oceanos, que vai ser montado na Blue Zone, eu observo uma crescente preocupação em levar esse assunto a um outro patamar, não só científico e da participação social, mas também político.
A Amazônia acaba sendo o foco das discussões, em razão da localização da COP, não é?
Quando o Brasil cria uma ideia de Amazônia Azul, ajuda a entender um pouco a equivalência da importância das duas, para o bem e para o mal. Tem coisa que acontece na Amazônia, que nós já conhecemos, que acontecem também na Amazônia Azul, e a diferença é que nós não conseguimos monitorar. Conhecemos muito pouco sobre a Amazônia Azul, infelizmente.
O Brasil pode ser protagonista nessas discussões sobre preservação dos oceanos? Quais ações o senhor destaca como positivas e no que a gente ainda tem que avançar?
Sim. O Brasil tem um potencial enorme para ser um player importante. Nós temos alguma organização do ponto de vista de governança dentro do governo que pode pensar nisso, especialmente na Comissão Interministerial para os Recursos do Mar. Do ponto de vista de organização não tem muita coisa para inventar. Do ponto de vista de interesse é que é o desafio. E esse interesse hoje ele está focado em duas coisas, infelizmente: em como explorar mais petróleo e em como ocupar mais e mais a zona costeira, sem um tipo de critério. E isso é um um problema sério. Do lado positivo, o Brasil tem um número grande de áreas marinhas protegidas, em torno de quase 27% da nossa zona econômica exclusiva. O que tem de ser feito ali é melhorar a qualidade de gestão dessas áreas para que elas sejam protegidas de fato. Esse é um ponto importante, por si só, uma janela de visibilidade internacional enorme.
O que a Oceana defende em termos de proteção do fundo oceânico e qual a avaliação sobre o PL nº 4789/2024, que trata da pesca?
O nosso ponto para a pesca está na adaptação. Hoje, nós já temos observado que espécies típicas de água quente estão ocorrendo no Sul do Brasil, ou seja, o aquecimento vai empurrar essas espécies típicas de água fria cada vez mais para o sul, talvez até alcançando as outras zonas econômicas exclusivas, como do Uruguai e da Argentina. Então as nossas frotas que pescavam num território específico e conhecido, já não farão mais isso, elas vão ter que se deslocar para mais longe, vão gastar muito mais combustível, vão emitir mais carbono e vão gastar muito mais para fazer isso. Então o pescado tende a ficar mais caro e mais difícil de ser encontrado. Por isso, nós temos que adaptar a gestão das nossas pescarias a uma nova realidade, mais flexível, com muito mais informação sendo gerada para que as decisões sejam adequadas aos cenários de mudança climática que afetam os oceanos. Precisamos colocar mais e mais ciência na tomada de decisão e ter mais e mais grupos participando da tomada de decisão. Ter uma política mais adequada a isso também é fundamental. E isso traz como pano de fundo o Marco Legal da Pesca no Brasil, que é um marco obsoleto. Ele não traz conceitos atualizados, ele não traz responsabilidades para quem faz o quê, e quem monitora. Ele não garante que as coisas vão ser perenes ao longo do tempo. Nós estamos falando de questões sérias, de interrupções institucionais, por exemplo, o ministério aparece e desaparece. Esse projeto de lei que está no Congresso, ele moderniza a lei da pesca nacional, traz elementos estruturantes para a política pesqueira brasileira no futuro.
A chamada pesca de arrasto é proibida no Rio Grande do Sul e em alguns locais no Nordeste. Por que essa técnica é tão prejudicial à vida marinha?
A pesca de arrasto é considerada a mais destrutiva dos fundos marinhos que você possa imaginar. É basicamente uma embarcação ou duas puxando uma rede muito grande e com uma corrente muito pesada no fundo. Ela se apoia no fundo e vai sendo arrastada por uma distância muito grande. Essa arte de pesca não é seletiva. Quando você puxa a rede vem tudo. Então, a gente pode fazer um paralelo, voltando para a Amazônia Azul e a Amazônia Verde, com o correntão do desmatamento. Dois tratores de esteira puxam o correntão e vão levando todas as árvores que estão pela frente. A vegetação primária, a secundária, assim por diante. A diferença é que lá o satélite consegue até monitorar quanto nós estamos perdendo de floresta. No oceano, não. Você destrói o fundo, destrói habitats que são importantes para a reprodução, para alimentação. O que aconteceu no Rio Grande do Sul foi um afastamento da pesca de arrasto nas 12 milhas náuticas. Nós já fizemos estudos depois de cinco anos e a recuperação desses estoques pesqueiros já é observada. Ou seja, só o fato de se afastar para além das 12 milhas já provocou um efeito fantástico e a pesca artesanal voltou a pescar.
O Brasil é o primeiro país a se comprometer a incluir o tema de cultura oceânica nos currículos nas escolas. Como o senhor avalia isso?
Fico muito feliz que isso tenha acontecido. É um caminho importante, que as novas gerações já estão mais preocupadas um pouco. Eu acho que avançar nessa cultura que nasce nas escolas é fundamental.
Contra a poluição dos oceanos
Como parte da campanha Pare o tsunami de plástico, a Oceana recolhe assinaturas em um abaixo-assinado para apoiar a tramitação do Projeto de Lei 2524/2022, que propõe uma solução para que o Brasil reduza a poluição por plástico. O objetivo é chegar a 100 mil assinaturas. Para participar, acesse: brasil.oceana.org.
              
                            

 
														


