O primeiro transplante a gente nunca esquece!

por Assessoria de Imprensa


Me lembro de todos os detalhes, como se fosse hoje! A hora, o dia, o local, o estresse, a ansiedade, um pouco de medo e nervosismo e a dúvida de como ia ser. Foi há exatos 30 anos, no dia 31 de outubro de 1995, quando recebi uma ligação da Central de Transplantes da Secretaria de Estado de São Paulo, me oferecendo o fígado de um doador de órgãos para a minha paciente, Sra. T.A.P. Aquele seria o primeiro transplante de fígado que eu realizaria no Brasil, como responsável pela equipe. Estava com 33 anos, com toda a força, garra, propósito e convicção de um jovem que havia dedicado os últimos seis anos, três deles no exterior, se preparando para aquele momento.

No meu retorno da Inglaterra, fui aceito para este desafio, no Hospital Alemão Oswaldo Cruz, ao qual não poderia deixar de destacar meu agradecimento pela confiança e oportunidade. Afinal, sem essa chance, nossa equipe não teria crescido, desenvolvido e sido testemunha do avanço nesta área no Brasil.

Em 1995, foram realizados 133 transplantes de fígado no país, mais de 60% em São Paulo e 40% no Rio Grande do Sul, Paraná, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Era a fase inicial de consolidação do procedimento. O Brasil tinha menos de três doadores de órgãos por milhão de habitantes, fato que limitava fortemente a atividade. Em 2024 foram realizados no Brasil 2.449 transplantes de fígado (crescimento de 1.816%) e atingimos a taxa de 20 doadores de órgãos por milhão de população (740% a mais, comparado a 1996).

O transplante da Sra. T.A.P. transcorreu muito bem e sua recuperação foi um sucesso. Costumo dizer que a maior prova de confiança que uma pessoa pode expressar é ser submetida a uma cirurgia, pois ela adormece com a anestesia, não enxerga ou escuta, não é acompanhada de nenhum amigo ou parente. Só pode ver mais tarde a cicatriz e sentir o resultado da cirurgia. Imaginem a confiança que ela depositou em um jovem cirurgião que explicou para ela que seria o primeiro caso sob sua responsabilidade.

Durante estes 30 anos, a especialidade de transplantes evoluiu no Brasil a ponto de estarmos entre os principais países do mundo na área e o maior serviço de transplante de órgãos público. O único com esse recurso oferecido a toda a população sem restrição, em países com mais de 100 milhões de habitantes.

Neste período, junto com exemplares profissionais da saúde e uma equipe médica classificada por uma auditoria externa em 2007 como “worldclass”, foi possível manter transplantes no Oswaldo Cruz, iniciar um programa de transplante de fígado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no Hospital da Unimed de Sorocaba em 1995, estabelecer um serviço de referência na área no Hospital Israelita Albert Einstein a partir de 2005, inaugurar o Instituto do Fígado na Beneficência Portuguesa de São Paulo em 2013 e no Hospital Samaritano Higienópolis em 2022. Como o transplante “entra” na nossa alma, acabamos de inaugurar mais um serviço pelo SUS no interior, agora no Hospital Amaral Carvalho em Jaú e iniciar trabalhos no Hospital Sírio Libanês.

Nada disso seria possível sem todos os profissionais que estiveram juntos nessa missão, alguns deles hoje liderando seus próprios serviços de transplantes com sucesso.

Mas o desenvolvimento dos transplantes no Brasil tem que ser reconhecido pela dedicação de todos profissionais envolvidos e dedicados, pela confiança dos pacientes em suas equipes e, principalmente, pela generosidade das famílias que, ao perderem um ente querido, num momento de profunda tristeza, têm a serenidade e amor genuíno para aceitarem a doação dos órgãos.

Hoje, 30 anos depois, a sensação é de que o Brasil evoluiu muito nessa área com a dedicação de todos que lutam diariamente, mas que ainda temos juntos um longo caminho pela frente, e que, daqui a mais 30 anos, possamos comemorar números ainda melhores!

* Cirurgião, diretor do Instituto do Fígado Américas



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