Zumbi dos Palmeiras ainda era uma figura histórica bem pouco conhecida fora dos meios acadêmicos quando, na noite de 20 de novembro de 1971, cerca de 20 pessoas se reuniram numa sala do Clube Náutico Marcílio Dias, em Porto Alegre, para homenagear o líder quilombola morto em 1695. Naquela altura, ainda não se cogitava transformar a data em feriado, mas o encontro no clube pode ser considerado o marco zero de uma mobilização que se espalhou pelo país levou à criação do Dia da Consciência negra, hoje celebrado em todo o Brasil.
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A mobilizou havia se iniciado em julho de 1971, quando ativistas do movimento negro gaúcho criaram o Grupo Palmares para “promover estudos sobre história, artes e outros aspectos, particularmente em relação ao negro e ao mestiço de origem negra”, segundo o estatuto da entidade. Em plena ditadura militar, quando vigorava o mito da democracia racial brasileira e não havia espaço para contestação, a proposta era realizar atividades para exaltar personagens negros que não recebiam a devida atenção.
Entre os fundadores do Grupo Palmares, estavam militantes como Ilmo da Silva, Vilmar Nunes, Antonio Carlos Cortes e o poeta e professor Oliveira Silveira. Partiu de Silveira a ideia de estabelecer o 20 de novembro, dia da morte de Zumbi, como marco para celebrar a história do povo negro, em oposição ao então inquestionável 13 de maio, data da assinatura da Lei Áurea pela Princesa Isabel, em 1888.
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Professor de português e literatura no ensino médio, Silveira escreveu dez livros de poesia, entre eles, “Banzo, saudade negra” (1970), que recebeu menção honrosa na União Brasileira dos Escritores. O autor também publicou artigos e crônicas na imprensa e participou de diferentes coletâneas. Em 2011, dois anos após sua morte, devido a um câncer, o acervo literário da Fundação Palmares, órgão ligado ao Ministério da Cultura, foi batizado de Biblioteca Oliveira Silveira.
Desde o início, os integrantes do Grupo Palmares aproveitaram efemérides para celebrar nomes da história afro-brasileira que mereciam muito mais reconhecimento da sociedade. Em agosto de 1971, por exemplo, eles realizaram um ato para marcar os 89 anos da morte do advogado abolicionista e intelectual autodidata Luiz Gama. Já o jornalista José do Patrocínio, outra voz contra a escravidão no século XIX, foi homenageado no dia 9 de outubro, data de seu nascimento, em 1853.
O desconforto com a celebração do dia 13 de maio, centrado na pessoa da Princesa Isabel, estava no cerne da mobilização em Porto Alegre. O grupo achava que esse marco ignorava a história de luta do povo negro por liberdade até o século XIX e glorificava uma aristocrata que, hoje sabemos, não tinha um envolvimento com a causa abolicionista. Foi então que surgiu a ideia de festejar a memória de Zumbi, último líder do Quilombo dos Palmares, maior quilombo do período colonial.
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Bastião de resistência negra do Brasil Colônia, situado na Capitânia de Pernambuco, numa área do atual estado de Alagoas, Palmares era, na verdade, um reino com vários quilombos formados por ex-escravizados que fugiram de fazendas e senzalas e buscaram abrigo na Serra da Barriga. Estima-se que, em meados do século XVII, sua população tenha alcançado a marca de 30 mil pessoas.
Para entender Zumbi, Silveira se debruçou em livros como “Quilombo dos Palmares”, de Edson Carneiro, e “As guerras nos Palmares”, de Ernesto Ennes. O poeta percebeu que a historiografia não informava com precisão o dia do nascimento do herói, mas encontrou dados para confirmar que, no dia 20 de novembro de 1695, após anos de batalha, ele foi morto por soldados do governo local. Sua cabeça foi exibida em praça pública no Recife, para desfazer a lenda da imortalidade de Zumbi.
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A reunião no Clube Marcílio Dias foi anunciada na imprensa, o que levou a Polícia Federal a intimar seus participantes a depor. Em 1971, o Brasil vivia o período mais duro da ditadura militar. Os órgãos de repressão fechavam o cerco contra a luta armada. Há quem diga que os agentes confundiram o Grupo Palmares com a VAR-Palmares, uma das principais organizações de guerrilheiros. Na delegacia, Oliveira e Carlos Côrtes tiveram de convencer os policiais de que eles não eram “terroristas”.
Graças ao movimento que começou em Porto Alegre, há mais meio século, a data da morte de Zumbi motivou manifestações, encontros, festas e shows em diversas cidades do Brasil ao longo dos anos, até ser, finalmente, adotada como o Dia da Consciência Negra, em 1995. Em 2003, o marco foi incluído no calendário nacional escolar, e, em 2011, a Lei nº 12 519 instituiu oficialmente o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra. Hoje, a data é feriado em todo o país.
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