Bom dia, boa tarde, boa noite, a depender da hora em que você abriu esse e-mail. Sou o editor de Política e Brasil do GLOBO e nessa newsletter você encontra análises, bastidores e conteúdos relevantes do noticiário político.
Na quinta-feira passada, o ex-presidente Jair Bolsonaro recebeu em sua casa o bispo Robson Rodovalho, fundador da igreja Sara Nossa Terra, após autorização do ministro Alexandre de Moraes. Em agosto, o Supremo Tribunal Federal (STF) havia proibido qualquer conversa entre Bolsonaro e o pastor Silas Malafaia, da igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo, e, agora, outras lideranças evangélicas voltam a ter espaço para se aproximar do ex-presidente.
Rodovalho conta que fez orações e leu trechos da bíblia horas depois de mais uma noite de sono irregular do ex-presidente devido a outra crise de soluços. Durante a conversa, o bispo ouviu sobre a rotina de Bolsonaro com os seus problemas gástricos, mas também houve espaço para a troca de ideias a respeito da eleição presidencial do ano que vem. Às vésperas do encerramento dos recursos do julgamento da trama golpista, o ex-presidente acha que não há nenhum clima para indicar agora um nome da direita para disputar contra Lula, demanda vocalizada pelo senador Ciro Nogueira (PP), ex-chefe da Casa Civil de Bolsonaro.
— Ele está desanimado, não sabe nem se poderá gravar vídeos durante a campanha. Pelo visto, irá mesmo para um regime fechado neste primeiro momento, embora ainda mantenha uma expectativa com relação ao projeto da anistia. É quase uma espécie de último cartucho. Depois de encerrada a discussão no Congresso, acho que ele vai se animar para tomar uma decisão — afirma Rodovalho, que discorda do conselho que Malafaia deu para o ex-presidente durante o ano todo de segurar ao máximo a indicação do seu candidato a presidente. — Não se ganha eleição na improvisação, mas sim com planejamento. Quanto mais demora a ter a escolha do candidato, mais esse nome demora a correr o Brasil. A direita já deu muito subsídio para a esquerda com a nossa divisão ao longo do ano, e Jesus ensinou: ‘Todo reino dividido contra si mesmo será arruinado, e toda cidade ou casa dividida contra si mesma não subsistirá’. — completa o fundador da Sara Nossa Terra, presente em 24 países ao redor do mundo com mais de mil templos.
Embora considere Tarcísio de Freitas (Republicanos) o melhor nome para enfrentar Lula, Rodovalho teme que o governador de São Paulo esteja desistindo de entrar na disputa diante dos ataques que vem sofrendo de Eduardo Bolsonaro dos EUA. Anteontem, o filho do ex-presidente chamou Tarcísio de “candidato do sistema” e “cara que (Alexandre de) Moraes quer”.
— Pelo que entendo hoje, a candidatura Tarcísio refluiu. Não sei se ele realmente tirou o nome ou é transitório, de fato entendo o receio de deixar para trás uma eleição segura em São Paulo. Mas mesmo com o PT e o Lula sendo muito profissionais quando o assunto é eleição, Tarcísio segue sendo o que tem mais chance. Ele tem o maior colégio eleitoral, muito mais densidade que Ratinho Jr. (PSD), Romeu Zema (Novo) ou Ronaldo Caiado (União Brasil). — diz o bispo, que saiu da conversa de quinta-feira defendendo exatamente a chapa preferida do ex-presidente para 2026, embora rejeitada pelo Centrão. — É Tarcísio e Michelle (Bolsonaro). Ela vai trazer musculatura com o povão. Ele, os moderados do centro.
Embora admita que está ajudando na formulação de uma chapa de direita para 2026, Rodovalho aponta erros dos evangélicos no excesso de envolvimento com a política nos últimos anos. O argumento é usado como hipótese por especialistas para justificar o arrefecimento do crescimento do segmento, segundo o último Censo divulgado.
— A igreja se tornou a base da campanha de 2018 e 2022, e isso não foi bom. Num culto as pessoas não estão lá para ouvir sobre política, mas escutar orações. Não estou dizendo que devemos fechar a boca e nos portarmos como acéfalos. Mas pastor não pode ser um militante no púlpito — afirma o bispo, que respondeu desta forma quando quis saber o que pensa sobre Malafaia, agora ex-conselheiro de Bolsonaro: — Faz a contribuição dele de maneira veemente, é capaz de debater de maneira forte até se o fiel deve ou não usar bigode. Tem gente que gosta, mas de fato não é unanimidade.
- “1.461 dias na trincheira – O dia a dia sob Bolsonaro no relato do editor de Política da Folha de S. Paulo”
Quando sou chamado para falar com estudantes de jornalismo, uma dúvida sempre aparece: como é a rotina de trabalho de um editor de política? O colega Eduardo Scolese, meu concorrente direto na Folha de S. Paulo, organizou e sistematizou a resposta em um interessante livro publicado em setembro. Quem me deu a dica foi o jornalista Marco Grillo, da sucursal do GLOBO em Brasília.
Além do trabalho semelhante, me identifiquei com a obra porque, assim como Scolese, também tenho um filho de 5 anos para criar. São muitas as vezes em que atender a um telefonema, responder mensagens de Whatsapp ou e-mail acontecem de maneira paralela ao ato de fazer uma refeição ou jogar bola com o meu pequeno vascaíno. Scolese também descreve momentos de dificuldade de relaxar em dias de folga, mesmo problema enfrentado pelo editor desta newlestter diante do noticiário sempre movimentado. “Parece que meu corpo só funciona pilhado”, escreveu para um colega da editoria de Mundo, em 2021. É exatamente como eu funciono.
O jornalista descreve duas das principais dificuldades da cobertura do governo Bolsonaro durante a pandemia: 1) O desafio de elaborar títulos de reportagens coerentes com o peso do que foi dito. Afinal, não era possível esconder os impropérios ditos pelo ex-presidente, mas ao mesmo tempo a imprensa não podia ser máquina de propaganda de mentiras. “Um presidente que diz barbaridades é uma notícia”, escreve. 2) Manter uma cobertura bem feita e um time de jornalistas motivados diante do corte salarial e da redução de jornada determinadas pelos principais jornais brasileiros no período.
No livro, há detalhes muito específicos da função de editor de política de um jornal brasileiro. Um deles, a necessidade de boa relação com quem comanda a Sucursal de Brasília, coração deste tipo de cobertura:
“Uma boa relação do editor de Poder com o diretor de Brasília é meio caminho para bons resultados em política. Um não é chefe do outro e portanto precisam se respeitar dentro de um jogo interno sempre intenso. Um fio desencapado permanente entre eles pode se tornar insustentável, contaminando as equipes, desgastando o comando do jornal e, ao final, prejudicando o produto final e, na prática, o leitor. Muitas vezes a relação se torna tensa, com cutucadas na troca de e-mails e pancadas ao desligar o telefone após uma discussão mais áspera”.
Mas, afinal, o que faz um editor de política? Esse parágrafo de Scolese descreve algumas das funções importantes:
“Decisão sobre rumos de reportagens (desde se iríamos fazê-las até que caminho tomar), reclamações de assessores de imprensa, apontamento de supostos erros nos textos por parte dos leitores, pedidos e cobranças da chefia interna, discussões muitas vezes acaloradas com outros departamentos do jornal, planejamento de coberturas especiais, atenção em todos os títulos de reportagem, pedidos de folga e de férias na equipe, recepção de autoridades em cafés ou almoços na Folha ou em restaurantes, conversas com repórteres e editores (…). Tudo deveria ser feito sem sair da linha editorial”.
Gosto também da parte em que indica quais as principais características que um jornalista precisa ter:
“E o que esperar de um repórter? A lista é ampla e pode variar de editor para editor. Costumo elencar a capacidade de organização como um item essencial. Isso inclui, por exemplo, assumir compromissos que possam ser cumpridos com a chefia, como o prazo para a entrega de um texto e o tamanho combinado.(…). A capacidade de definir o que é uma pauta, qual sua ambição e o cronograma de trabalho são essenciais. A concisão é outro ponto relevante para um repórter. Isso significa escrever um texto claro e objetivo sem o drama final de não conseguir cortar os caracteres excedentes. O domínio do assunto, a diversidade das fontes, o respeito com os entrevistados, a capacidade de trabalho coletivo, a obsessão pelo contraditório e o desapego a teses prontas são também pontos fundamentais entre as características para um bom repórter”.
Acrescento mais um predicado fundamental: ler muito, e compulsivamente. Sites, jornais, livros… Fazendo isso diariamente com algum tipo de método, o profissional larga na frente e tem tudo para nadar de braçada no mercado.

