O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) rebateu alegações do governo dos Estados Unidos de que a condenação de Jair Bolsonaro resultou de uma “caça às bruxas”. Num artigo publicado no New York Times, neste domingo, o petista afirmou ter orgulho da “decisão histórica” do Supremo Tribunal Federal (STF), que, segundo ele, “salvaguarda nossas instituições e o Estado Democrático de Direito”.
Bolsonaro e outros sete réus apontados como integrantes do núcleo crucial da trama golpista foram condenados esta semana pela Primeira Turma do STF. Após a sentença, Washington prometeu “resposta adequada” ao que considerou ser uma “caça às bruxas” contra a oposição. No NYT, Lula afirmou que o julgamento decorreu de investigações conduzidas legalmente e que desvelaram a tentativa de tomada de poder, além de planos de assassinato de autoridades da República.
“Não foi uma ‘caça às bruxas’. A decisão foi resultado de procedimentos conduzidos em conformidade com a Constituição Brasileira de 1988, promulgada após duas décadas de luta contra uma ditadura militar. Isso ocorreu após meses de investigações que revelaram planos para assassinar a mim, ao vice-presidente e a um ministro do Supremo Tribunal Federal”, escreveu Lula.
O presidente brasileiro acrescentou que as autoridades descobriram um projeto de decreto “que teria efetivamente anulado os resultados das eleições de 2022”, nas quais derrotou Bolsonaro. No artigo, Lula ainda afirmou serem “falsas” as alegações do governo Trump de que o Judiciário nacional persegue e censura empresas americanas de tecnologia. Ele defendeu todas as plataformas digitais, sejam elas estrangeiras ou não, estão submetidas às leis brasileiras.
“É desonesto chamar regulamentação de censura, especialmente quando o que está em jogo é a proteção de nossas famílias contra fraudes, desinformação e discurso de ódio. A internet não pode ser uma terra de ilegalidade, onde pedófilos e abusadores têm liberdade para atacar nossas crianças e adolescentes”, argumentou ele, no texto.
Lula destacou serem “igualmente infundadas” alegações dos Estados Unidos de que o Brasil adota práticas desleais no comércio digital e nos serviços de pagamento eletrônico e falha na aplicação de normas ambientais. O presidente brasileiro disse que o Pix — sistema de pagamento digital questionado por Washington — permitiu a inclusão financeira de milhões de cidadãos e empresas.
“Não podemos ser penalizados por criar um mecanismo rápido, gratuito e seguro que facilita as transações e estimula a economia”, destacou o petista, antes de citar iniciativas do seu governo contra o desmatamento na Amazônia e crimes ambientais.
‘Democracia e soberania do Brasil não estão em pauta’, diz Lula
O petista disse ter decidido escrever o artigo para “estabelecer um diálogo aberto e franco” com Trump. Ele afirmou ter examinado “cuidadosamente” os argumentos apresentados por Washington quando da aplicação de tarifas de 50% sobre os produtos brasileiros. Lula destacou que recuperar empregos americanos e reindustrializar “são motivações legítimas” e destacou que o próprio Brasil alertou para os “efeitos nocivos” do neoliberalismo quando os EUA levantaram essa bandeira, mas classificou a imposição de tarifas como um “remédio errado”.
“Ver a Casa Branca finalmente reconhecer os limites do chamado Consenso de Washington, uma prescrição política de proteção social mínima, liberalização comercial irrestrita e desregulamentação geral dominante desde a década de 1990, justificou a posição brasileira. Mas recorrer a ações unilaterais contra Estados individuais é prescrever o remédio errado”, escreveu.
Lula argumentou que o multilateralismo oferece soluções “mais justas e equilibradas” neste contexto e classificou como “não apenas equivocado, mas também ilógico” o ato de aumentar tarifas sobre os produtos brasileiros. O petista voltou a citar que os Estados Unidos não têm déficit comercial com o país “nem estão sujeitos a tarifas elevadas”. Ele concluiu que as medidas do governo Trump têm motivação política e estimulam a impunidade de Jair Bolsonaro.
“A falta de justificativa econômica por trás dessas medidas deixa claro que a motivação da Casa Branca é política. O vice-secretário de Estado, Christopher Landau, teria dito isso no início deste mês a um grupo de líderes empresariais brasileiros que trabalhavam para abrir canais de negociação. O governo americano está usando tarifas e a Lei Magnitsky para buscar impunidade para o ex-presidente Jair Bolsonaro, que orquestrou uma tentativa frustrada de golpe em 8 de janeiro de 2023, em um esforço para subverter a vontade popular expressa nas urnas”, escreveu Lula no NYT.
O presidente brasileiro ainda ressaltou que “todos perdem” quando os Estados Unidos “dão as costas a um relacionamento de mais de 200 anos”. Ele defendeu não haver diferenças ideológicas que impeçam dois governos de trabalhar juntos por objetivos comuns. Por fim, enviou recado a Trump de estar aberto a conversas, mas destacou que a democracia e a soberania do Brasil são inegociáveis.
“Presidente Trump, continuamos abertos a negociar qualquer coisa que possa trazer benefícios mútuos. Mas a democracia e a soberania do Brasil não estão em pauta. Em seu primeiro discurso à Assembleia Geral das Nações Unidas, em 2017, o senhor afirmou que ‘nações fortes e soberanas permitem que países diversos, com valores, culturas e sonhos diferentes, não apenas coexistam, mas trabalhem lado a lado com base no respeito mútuo’. É assim que vejo a relação entre o Brasil e os Estados Unidos: duas grandes nações capazes de se respeitarem mutuamente e cooperarem para o bem de brasileiros e americanos”, destacou.