Museu dos Direitos Civis reabre em Atlanta e resiste a tentativa de Trump de reescrever a História

por Assessoria de Imprensa


Em uma tarde recente, funcionários do recém-reformulado Centro Nacional para os Direitos Civis e Humanos (National Center for Civil and Human Rights), em Atlanta, trabalhavam na montagem de uma nova exposição que começa com um retrato otimista: o fim da Guerra Civil americana, a abolição da escravidão, a eleição de candidatos negros, e a criação de universidades como Morehouse College e Atlanta University, dedicadas a estudantes afro-americanos.

O percurso, no entanto, logo muda de tom. O distrito de Greenwood, em Tulsa — conhecido como Black Wall Street pela prosperidade da comunidade negra — é mostrado em chamas, vítima de um ataque racista que devastou vidas e negócios. Em seguida, o visitante vê como líderes brancos do Sul dos EUA arquitetaram leis que institucionalizaram a segregação e bloquearam o acesso de negros à política por gerações.

“É a história do progresso negro e da reação branca”, resume Kama Pierce, diretora de programação e curadora da exposição no centro em Atlanta, reaberto no sábado (8) após uma reforma e expansão de US$ 58 milhões. “Temos a sensação de que ainda estamos presos nesse ciclo neste país.”

Os líderes do centro não ignoram o fato de que um museu dedicado à complexa história dos direitos civis nos Estados Unidos está reabrindo em um momento em que o presidente Donald Trump usou o poder do governo federal para desmantelar programas de diversidade e promover uma versão mais “positiva” — e menos crítica — da história americana.

Nos últimos anos, ouve uma pressão generalizada para que as instituições culturais enfrentassem o alcance persistente do racismo após o assassinato de George Floyd. Agora, o pêndulo parece ter oscilado na direção oposta: este ano, Trump assinou uma ordem executiva condenando um “movimento revisionista” que, segundo ele, “divide a sociedade e fomenta um sentimento de vergonha nacional”. Sua administração também teria tentado retirar do Smithsonian Institution termos considerados “ideológicos”, além de levar à renúncia da diretora da Galeria Nacional de Retratos após comentários sobre desigualdade racial e de gênero.

Memória, resistência e emoção

O trabalho de preservar e divulgar a história dos direitos civis no Sul profundo dos Estados Unidos sempre foi árduo. Mas, segundo os responsáveis pelo centro e líderes cívicos de Atlanta, apresentar um retrato fiel do movimento exige um nível renovado de perseverança no contexto atual.

“Aprendemos com a nossa história — celebramos algumas partes, lamentamos outras”, diz Shirley Franklin, ex-prefeita de Atlanta e defensora do museu desde sua inauguração, em 2014. “As histórias sempre precisaram ser contadas”, acrescentou, afirmando que agora “o desafio de contá-las pode ser maior, mas instituições como o centro têm a oportunidade de preencher essa lacuna”.

Os curadores do museu disseram que sua intenção não era sensacionalizar nem suavizar a história, mas sim fazer com que ela ressoasse de forma visceral. Para isso, eles se basearam fortemente em evidências documentais, incluindo fotografias e vídeos, depoimentos de participantes de eventos importantes e relatos contemporâneos de jornalistas.

Entre as novidades, o museu atualizou uma de suas exposições mais populares e impactantes: a simulação de um protesto pacífico em uma lanchonete. Visitantes se sentam em bancos, colocam fones de ouvido e escutam xingamentos e ameaças enquanto tentam manter a calma — agora precedidos por uma explicação sobre o treinamento rigoroso que os manifestantes reais recebiam para se manter unidos. Lenços de papel foram adicionados discretamente, reconhecendo o impacto emocional da experiência. Muitos saem antes do término da gravação de um minuto e 25 segundos.

Uma das instalações mais populares no Centro Nacional de Direitos Civis e Humanos, em Atlanta, reproduz uma manifestaçã pacífica em uma lanchonete — Foto: Rita Harper/The New York Times
Uma das instalações mais populares no Centro Nacional de Direitos Civis e Humanos, em Atlanta, reproduz uma manifestaçã pacífica em uma lanchonete — Foto: Rita Harper/The New York Times

Outra expansão importante é o espaço dedicado a Martin Luther King Jr., cujos documentos originais o centro tem exclusividade para exibir. A curadoria inicial, assinada por Bernice King, filha do líder, destaca cartas escritas à mão e reflete sobre desobediência civil, concentrando-se no ativismo mais amplo de seu pai pela melhoria das oportunidades econômicas e das condições de trabalho e a oposição à Guerra do Vietnã.

Os responsáveis pelo museu dizem ter evitado muita interpretação nas exposições para incentivar os visitantes a tirarem suas próprias conclusões. “Não exageramos nem os pecados nem os triunfos”, explica Jill Savitt, diretora-executiva do centro. “Mas estamos informando quais são os direitos. E mostrando em que partes do mundo as pessoas sentiram que esses direitos não estavam sendo respeitados e como elas se mobilizaram em torno disso.”

Apoio privado e missão ampliada

O financiamento da reforma veio em grande parte de fundações e empresas privadas, incluindo Coca-Cola, Delta Airlines e a Fundação Blank (do cofundador da Home Depot), além da Prefeitura de Atlanta. Com as novas atrações, incluindo um espaço para eventos muito maior, o centro busca novas fontes de receita para se proteger de um cenário mais adverso. Ele não depende diretamente de apoio federal, mas ainda assim sentiu o impacto dos cortes orçamentários feitos pelo governo Trump nas artes e humanidades. À medida que as organizações sem fins lucrativos se esforçam para repor o dinheiro perdido em doações, a concorrência por ajuda financeira por parte de fundações independentes aumenta.

Além de dividir o estacionamento com o Mundo da Coca-Cola e o Aquário da Geórgia, duas das atrações mais populares da cidade, o museu também foi projetado para se integrar a um conjunto de atrações que fizeram de Atlanta um destino para quem deseja mergulhar na história dos direitos civis, incluindo o parque nacional que abrange o local de nascimento de Martin Luther King Jr. e o antigo santuário da Igreja Batista Ebenezer, onde ele foi pastor.

O centro também se volta para temas mais amplos de direitos humanos contemporâneos, como acessibilidade, igualdade de gênero, direitos LGBTQIA+ e acesso a necessidades humanas básicas, como alimentação e água. Uma instalação interativa ensina crianças sobre o poder de jovens ativistas — incluindo uma passagem secreta atrás de uma estante de livros.

Os curadores também dedicaram mais espaço ao empoderamento negro. Uma jukebox moderna reproduz canções emblemáticas que refletem esse orgulho coletivo, como “Say It Loud — I’m Black and I’m Proud”, de James Brown.

Embora parte da narrativa seja dura, os curadores insistem em manter um fio de esperança: o progresso, mesmo irregular, ainda é progresso. Um dos painéis incentiva o público a participar da vida cívica — seja apoiando o jornalismo local, ajudando refugiados ou engajando-se em causas comunitárias.

Para aqueles insatisfeitos com a situação atual, o museu tem uma mensagem: Envolvam-se, mas também sejam pacientes. Algo diferente surgirá em breve.

“Independentemente da sua posição, trata-se de reforma e resistência”, disse Savitt.

“Você pode acreditar que as reformas são positivas ou negativas, mas estamos contando uma história sobre essa marcha para frente e essa resistência”, acrescentou. “Essa é a história da América.”

*Com informações de The New York Times



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