Xamã precisou mostrar a que veio seu personagem em “Os donos do jogo”, série lançada semanas atrás pela Netflix, logo nas primeiras cenas. As falas são econômicas e quase não há sorrisos. A violência, contudo, é farta e visceral. Recém-ingressado na alta cúpula da contravenção carioca, Búfalo termina o primeiro episódio com as mãos ensopadas de sangue e a respiração ofegante. “Ele é um ex-lutador marcado pela impulsividade e por uma fúria que escala muito rapidamente”, comenta o ator, de 36 anos. “Sou muito da conversa, do carinho, do abraço, e esse cara é completamente o contrário. Às vezes, havia cenas em que já estava sendo legal com as pessoas. Mas era para ser mau o tempo todo.”
Com a carreira iniciada na música, o rapper carioca enfileira papéis de fôlego no audiovisual brasileiro desde que estourou como Damião, no remake da novela “Renascer”, exibida na faixa das 21h da TV Globo, em 2023. Agora, além da nova série, está de volta ao horário nobre da emissora em “Três Graças”, também como vilão. Bagdá é líder da facção criminosa que domina a comunidade fictícia da Chacrinha. “Fiz alguns bandidos, né?”, observa, adiantando que seu papel na continuação de “Cangaço novo”, no Prime Video, também terá esses contornos.
São personagens cuja natureza o jovem nascido em Sepetiba, na Zona Oeste do Rio, afirma reconhecer de alguma maneira. “Vivi uma realidade muito violenta. Era tudo muito esquisito, mas normalizado. O rap me ajudou a contar essa história e transformá-la em arte”, recorda-se ele, que lançou o primeiro dos cinco álbuns em 2018 e soma mais de 8 milhões de ouvintes mensais somente no Spotify. A mesma catarse, afirma, escoa no ofício de ator. “Consigo trazer camadas a alguns personagens. Mas já estou tomando esse cuidado, juntamente com a minha equipe, de sair dessa, digamos, zona de conforto. Meu desafio agora é fazer um papel sem esses estigmas.”
Empenho não falta. Segundo a preparadora de elenco Moira Braga, que o orientou nas novelas “Renascer” e “Três Graças”, apesar de ter a agenda cheia em função dos shows, Xamã é obstinado. “É um rapaz muito interessado e se envolve em todo o processo. Se não pudermos nos encontrar, conversamos, durante horas, por telefone mesmo”, ela conta. “Trata-se de alguém com o estofo de um cara que já viveu muita coisa nessa vida e guarda essas experiências no corpo.”
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A mesma desenvoltura levou Heitor Dhalia, diretor-geral e um dos criadores de “Os donos do jogo”, a embarcar imediatamente na escalação do rapaz para a produção. “Não conseguia mais pensar em outra possibilidade”, afirma. “Era o match perfeito com o personagem: forte, carismático, com brilho no olhar. Ele é uma doçura e trouxe humanidade para o Búfalo, nosso antagonista. O Xamã me lembra atores magnéticos como Marlon Brando. Foi uma das nossas escolhas mais acertadas.”
Dentro dessa trajetória ascendente, parece sobrar pouco espaço para deslumbres. Frequentemente clicado de sunga na praia, o ator tem sido figurinha onipresente em sites de celebridades, mas desconversa e fica sem graça quando perguntado sobre esse tipo de exposição. Diz, ainda, considerar “meio fake” o rótulo de galã. E explica: “Eu me acho bonito, sou vaidoso e gosto disso. Mas, na atuação, quanto mais feia ou esquisita a cara, mais real”.
A mesma discrição surge ao falar da namorada, a também atriz Sophie Charlotte, com quem trata a intimidade como valor “sagrado”. Neste tópico, prefere ater-se aos aspectos profissionais da companheira. “É uma mulher incrível e me ajuda muito a criar profundidade em meus personagens”, diz. “Admiro a forma como faz isso nos próprios trabalhos. É intensa. Então, é como uma professora. Olho para ela para poder chegar a esse nível um dia.”
O sorriso é farto mesmo na hora de falar da família, de quem herdou o espírito festeiro que, vira e mexe, aparece estampado em suas postagens no Instagram. “Sempre fomos assim, e hoje tenho a oportunidade de dar um conforto para a minha mãe. Gostamos de nos reunir, ouvir música alta, dar umas festas. Ouvimos sempre as mesmas músicas, adoramos pagode, Raça Negra. Também temos uma sala de cinema para fazermos umas sessões e assistirmos a futebol”, conta. “É bacana ter todo mundo por perto. Esse mundo em que vivemos, de palco, televisão, é maneiro, mas não são as pessoas que conhecemos há muito tempo.”
“Luxúria”, ele canta em uma de suas músicas mais ouvidas, “me estraga, me torna menos de mim”.

