Ideia inicial de uma semana virou quadro fixo após enxurrada de relatos enviados por famílias de prematuros
No mês dedicado à prematuridade, a neonatologista Tatiane Menezes decidiu fazer algo simples: ler, no Instagram, cartas de mães que já viveram o silêncio frio das UTIs (Unidades de Terapia Intensiva) neonatais. Chamou algumas pacientes, pediu a amigas que convidassem outras mulheres e imaginou uma semana de publicações para marcar o dia 17 de novembro, Dia Mundial da Prematuridade. O que ela não imaginava era o tamanho da resposta.
A neonatologista Tatiane Menezes iniciou um projeto no Instagram para ler cartas de mães que vivenciaram a experiência de ter bebês prematuros em UTIs neonatais. O que começou como uma iniciativa para marcar o Dia Mundial da Prematuridade, em 17 de novembro, ganhou proporções inesperadas, com dezenas de cartas sendo enviadas diariamente. As histórias compartilhadas revelam experiências marcadas por fé, superação e esperança. O projeto, que inicialmente duraria uma semana, tornou-se um quadro semanal no perfil da médica, impactando não apenas as mães que acompanham as leituras, mas também transformando a própria forma como a profissional exerce a medicina, tornando-a mais empática e humana.
“Eu trabalho no Instituto Neonatal”, comenta, quase como uma apresentação necessária para o que viria depois. Foi desse lugar, onde a maior parte da vida acontece em gramas e sussurros, que surgiu o desejo de alcançar mães que ainda estão no meio da travessia.
“Eu queria mostrar para as mães de bebês prematuros internados que neste momento é possível a alta, que é possível que as crianças saiam e vivam uma vida normal no pós-alta (…) Então, eu queria uma maneira de mostrar para as mães que no momento estão internadas que há possibilidade de alta e essa força e fé de mães que já passaram pelo período de internação.”
Assim nasceram as cartas. De início, uma ideia pequena, quase íntima. Mas bastou publicar as primeiras para o movimento ganhar vida própria. “Inicialmente, eu ia fazer uma semana de leitura”, conta. “Aí chegaram 10 cartas para mim e eu falei: ‘Ah, eu vou fazer 10 dias de leitura’. Só que agora não param de chegar as cartas”.
Hoje, chegam pelo Direct, pelo WhatsApp, por colegas. “Todo mundo quer contar a sua história relacionada à prematuridade”, diz Tatiane, e a impressão é de que, ao acionar uma memória coletiva, ela abriu também uma porta por onde muitas mulheres estavam esperando para passar.
“São meses que elas vivem ali e eu queria amenizar um pouquinho”, resume. Nem mesmo a médica imaginou tamanha adesão. “Não esperava, não esperava de verdade. Agora já tem uma fila de cartas para eu gravar”.
Entre uma leitura e outra, o inevitável: choro
Se para as mães escrever é um alívio, para Tatiane ler é também uma forma de atravessar lembranças, as dela e as das outras. “Todas as cartas me emocionaram bastante”, admite. A segunda que publicou foi a que a desarmou completamente. “Foi a carta da Cécilia e da Natielle, inclusive eu chorei bastante no vídeo”.
Ela conta que precisou parar a gravação, respirar e retocar a maquiagem. Outras cartas seguiram o mesmo caminho emocional. “Teve a carta que saiu hoje da Samara. Eu não conheço essa mãe. Também foi uma das cartas que me emocionou bastante, porque ela é mãe de dois prematuros, um com muitas internações, e tem uma fé inspiradora.”
Apesar das diferenças entre as narrativas, um elemento aparece em praticamente todas. “Elas têm uma fé tremenda, todas elas, independentemente da religião; falam muito de Deus, sabe? Elas se apegaram muito nisso”, observa Tatiane. “Todas elas falam em Deus, falam de fé, falam em compaixão para com o próximo”.
O impacto não ficou só no campo das redes. A médica diz que o projeto transformou também a forma como ela se coloca diante das famílias. “Com certeza me mudaram bastante, mudaram para melhor. Isso só me mostrou que realmente ali é o bebê de alguém, é filho de alguém que precisa do nosso respeito, da nossa empatia, do nosso amor”.
Ter contato com as cartas também expôs a própria vulnerabilidade da pediatra. “Eu sou uma esponjinha, né? E a gente acaba absorvendo tudo”, afirma. Mas, segundo ela, esse mergulho emocional trouxe algo que a técnica não alcança. “Me deixou mais leve, mais humana”.
A culpa que pesa demais
A cada nova internação, a médica encontra um sentimento repetido: culpa. “’O que eu fiz?’, ‘por que meu filho nasceu prematuro?’. Eu costumo dizer para todas elas que não quero que elas se preocupem e que a preocupação eu quero que elas deixem para a equipe médica”, explica.
Às mães, ela lembra o essencial: presença, contato, colo. “É o que a gente chama de método canguru.” E insiste sempre na mesma imagem, simples e forte: “O bebê estava no quentinho, dentro da barriga, no escuro e em silêncio. Por isso o bebê vai para a incubadora”.
Para Tatiane, o motivo de tantas mulheres compartilharem uma parte tão vulnerável da própria vida é direto: “Eu acredito que seja porque o meu foco foi estimular as mães (…) a não desistirem, a não terem medo.” E também porque elas se lembram perfeitamente do que viveram. “Essa vulnerabilidade, essa tristeza, esse medo que existe enquanto elas estão internadas. Ele é superado.”
No fim, a médica reconhece que a corrente que começou por um gesto dela já não pertence mais somente a ela. A cada carta lida, há uma mão estendida para outra mãe, e, talvez, um lembrete silencioso de que alguns ciclos difíceis só fazem sentido quando compartilhados. E assim, o que foi criado para durar uma semana irá virar um quadro semanal.
A leitura das cartas podem ser acompanhadas através do Instagram da pediatra, @dratatianemenezes.
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