A jurisprudência — inclusive a do vetusto direito bancário — se constrói tanto nas grandes causas quanto nas minúsculas. Um fait divers carioca que foi parar na Justiça atesta essa máxima.
Em maio, uma cliente do Banco do Brasil caminhava pela Rua Mena Barreto, em Botafogo, quando deparou com morangos à venda no sinal. Não resistiu e decidiu levar duas caixas. Para pagar os R$ 10 ao camelô, sacou seu cartão de débito e digitou a senha. Acontece que a maquininha era pequena demais e mal dava para enxergar o valor cobrado. Compra finalizada, a consumidora seguiu seu rumo, mas foi logo alertada por um transeunte para o comportamento suspeito do camelô: assim que vendeu seus morangos, ele correu para um carro parado ali perto e desapareceu.
A compradora entendeu a fuga repentina ao checar o saldo da conta: em vez de R$ 10, as frutas saíram por quase R$ 10 mil — R$ 9.910, para ser preciso, superlativo até para um caminhão de morangos do amor. Audácia maior: a conta que recebeu o dinheiro tinha o nome pouco auspicioso de “Recarga*Empresagolps”.
A cliente lesada entrou na Justiça contra o Banco do Brasil, pedindo a devolução do valor pago e compensação por danos morais, sob a alegação de que o banco falhou em seu dever de segurança. Em sentença recentemente proferida, a Justiça concordou parcialmente com a tese e mandou o BB ressarcir todo o valor pago indevidamente pela cliente.
A decisão é do 21º Juizado Especial Cível da Comarca da Capital, que homologou, na tarde desta segunda-feira, o projeto de sentença elaborado pelo juiz leigo que se debruçou sobre o caso. A Justiça entendeu que “a transação contestada foge completamente do perfil da parte autora, não existindo nenhuma compra com cartão de débito em valor ao menos aproximado da compra efetuada”.
“A parte ré não comprova que a transferência está de acordo com o perfil da autora, o que enseja a responsabilidade do réu. (…) As falhas perpetradas por terceiros não têm o condão de afastar a responsabilidade da instituição financeira, pois configuram caso fortuito interno, fazendo parte do risco da atividade”, diz o projeto de sentença.
“O próprio nome do titular da máquina — ‘Recarga*Empresagolps’ — já aparenta suspeita.”
A Justiça não reconheceu, porém, a existência de dano moral sofrido pela cliente, já que não houve comprovação de qualquer ato ilícito praticado pelo Banco do Brasil.
— Essa é uma causa emblemática, pois, mesmo tendo a compra sido efetivamente realizada com o cartão, a autora teve direito ao ressarcimento, já que a transação fraudulenta estava absolutamente fora de seu perfil e padrão histórico de consumo. Caberia ao banco identificar essa clara dissonância e não autorizar a compra — diz Gabriel de Britto Silva, sócio do Brito e Lamego Advogados, que representou a correntista do BB no caso.

