O compositor Jards Macalé vivia um momento de dificuldades, em 1973. No ano anterior, Caetano Veloso tinha lançado o hoje icônico “Transa”. Gravado durante o exílio do cantor baiano em Londres, no Reino Unido, o disco teve direção artística de Macalé, que também tocou violão em todas as faixas. O então jovem músico mergulhou no trabalho, mas ficou decepcionado e chegou a cortar relações com Caetano quando viu que seu nome não aparecia na capa do álbum.
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Também em 1972, o artista criado na Tijuca, Zona Norte do Rio, reuniu-se com Tutty Moreno (bateria) e Lanny Gordin (guitarra) para gravar seu próprio álbum. “Jards Macalé” trouxe canções que se tornariam clássicos do músico, como “Farinha do Desprezo” e “Revendo amigos”, mas, na época, a recepção da crítica foi decepcionante. O álbum teve fraca vendagem e foi tirado de circulação. Por isso, a gravadora rescindiu o contrato do compositor, que mergulhou numa crise financeira e emocional.
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Já na época, artistas se reuniam para realizar shows em torno de várias causas. Foi então que Macalé decidiu promover um espetáculo “auto-beneficente”. Era pra ser uma piada, mas, quando ele começou a convidar estrelas da música para participar, todos toparam, e a “brincadeira” ficou mais séria. Nomes cultuados como Paulinho da Viola, Gal Costa e Milton Nascimento estavam entre os confirmados no evento, que receberia também revelações daquele ano, como Gonzaguinha e Raul Seixas.
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Certo dia, quando estava saindo do Museu de Arte Moderna (MAM), onde seria realizado o espetáculo, Macalé esbarrou com o então diretor da Cinemateca, Cosme Alves Neto. Ele sugeriu que o evento fosse inserido na mostra em homenagem ao 25° aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos. O compositor topou a oferta, e o pequeno festival, batizado de Banquete dos Mendigos, acabou se tornando um ato político com a nata da música nacional no auge da ditadura militar.
As informações sobre o espetáculo foram impressas em folhas de papel e entregues a meninos em situação de rua para espalhar pela cidade. Mas, obviamente, essa divulgação chamou a atenção de militares e, na data marcada (10 de dezembro de 1973), tropas do Exército cercaram o MAM, enquanto policiais e censores se misturaram à plateia no auditório onde acontecia o evento. Entre uma música e outra, artistas liam trechos do documento adotado pelas Nações Unidas em 1948.
“Os textos lidos eram mais aplaudidos do que as canções”, descreveria, anos depois, Jards Macalé que morreu nesta segunda-feira, aos 82 anos.
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Naqueles tempos de AI-5 em pleno vigor, falar sobre direitos humanos podia ser muito perigoso. As cadeias estavam cheias de presos políticos torturados, e muitos opositores do regime, considerados subversivos, haviam sido mortos em salas escuras dos órgãos de repressão. Durante o evento no MAM, o trecho da declaração mais aplaudido foi, justamente, o seu Artigo 5°, que diz assim: “Ninguém será submetido a tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante”.
Não houve repressão naquele dia, mas, em 1974, a gravadora RCA tentou lançar o álbum “Banquete dos Mendigos”, gravado no MAM, e os militares proibiram. De acordo com a censura do regime, o disco tinha mensagens “agressivas” e “subversivas”. O álbum só ganhou as prateleiras em 1979, após o abrandamento da censura, com 35 faixas. Em 2015, o espetáculo foi lançado na íntegra, com todos os discursos. em uma caixa com três CDs, hoje disponível no Spotify.
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