Na véspera do encontro entre os presidentes de Brasil e Estados Unidos, a avaliação no governo Lula é que os sinais emitidos por Donald Trump têm sido positivos. Em conversa com jornalistas durante o voo para a Malásia, o americano disse que as tarifas às exportações brasileiras podem ser reduzidas, “nas circunstâncias certas”.
Segundo interlocutores do governo brasileiro, o foco de Lula será a negociação em torno do tarifaço imposto a produtos brasileiros e das sanções aplicadas contra cidadãos do país, entre eles o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, em razão de decisões relacionadas ao ex-presidente Jair Bolsonaro. Ainda assim, a escalada da ofensiva militar dos Estados Unidos na região fez o assunto ganhar peso político.
A grande prioridade de Luiz Inácio Lula da Silva no encontro com Donald Trump é a relação bilateral entre Brasil e Estados Unidos. Porém, a situação na América do Sul ganhou ainda mais relevância e poderá entrar na pauta, caso o tema seja tocado na reunião. O encontro, que acontecerá à margem da Cúpula da Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean), está previsto para este domingo, em Kuala Lumpur, capital da Malásia.
O governo brasileiro acompanha com preocupação as movimentações de porta-aviões e navios de guerra americanos no Mar do Caribe, as manobras conjuntas com Trinidad e Tobago e o aumento das tensões envolvendo Venezuela e Colômbia. Se a questão for mencionada, Lula deve reiterar a necessidade de preservar a América do Sul como uma zona de paz, reafirmando a posição histórica da diplomacia brasileira de evitar conflitos e interferências externas no continente.
Nas últimas semanas, com a escalada militar dos EUA na região, navios americanos têm destruído embarcações venezuelanas sob a justificativa de combater o narcotráfico, em meio a um ambiente cada vez mais delicado. Washington também aumentou a pressão pelo afastamento de Nicolás Maduro da presidência do país, cuja reeleição o Brasil não reconheceu oficialmente, mas sobre a qual defende que a Venezuela não deve ser isolada.
O clima regional se agravou ainda mais com as ofensas de autoridades americanas ao presidente da Colômbia, Gustavo Petro. Crítico da política externa de Trump e aliado de Lula em temas ambientais e de integração sul-americana, Petro foi chamado de “líder do tráfico ilegal de drogas” por Donald Trump.
Na última sexta-feira, Gustavo Petro, a esposa Verónica Alcocer, o filho Nicolás Petro e o ministro do Interior colombiano, Armando Benedetti, foram sancionados pela Casa Branca. Estão proibidos de fazer operações comerciais e financeiras com empresas dos EUA.
— O envio do porta-aviões com suas escoltas não deixa dúvida da escalada das tensões, com iminente nova iniciativa militar voltada a alvo em terra, além de evolução em mar para um possível bloqueio naval. Gravíssimo para o Brasil, pois é trazer a guerra para nossas fronteiras norte-amazônicas — afirmou Ronaldo Carmona, professor de geopolítica da Escola Superior de Guerra (ESG).
Para o especialista, a conversa entre Lula e Trump “sem dúvida focará na pauta bilateral e terá como prioridade remover sanções econômicas (tarifas) e financeiras (uso da Lei Magnitsky) contra o Brasil”. Carmona ressaltou que, neste momento, não cabem concessões em temas estratégicos, como minerais críticos ou big techs, sem obter contrapartidas de grande porte dos EUA, como, por exemplo, a criação de novas forças produtivas avançadas.
— Os efeitos efetivos das sanções americanas ao Brasil são diminutos, por várias razões. O fato é que eventuais concessões devem ser proporcionais a esses efeitos diminutos — disse.
Professor da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme) e coordenador do Laboratório de Análise Política Mundial (Labmundo), Rubens Duarte afirma que a expectativa é que a diplomacia brasileira busque manter o foco nas negociações comerciais, encapsulando outros assuntos de cunho político que possam surgir. Favorece essa estratégia o fato de que o presidente Lula já fez declarações públicas em favor da defesa da soberania brasileira e de seus vizinhos, deixando clara a posição do Brasil.
— A diplomacia brasileira tem tentado não trazer assuntos sensíveis para as conversas entre Trump e Lula, de modo a focar no problema do tarifaço. O agravamento da crise na Venezuela, entretanto, aumenta a tensão e, consequentemente, a possibilidade de isso ser trazido para o debate. Além disso, o tempo que ambos os presidentes devem ter disponível para conversar deve ser bastante restrito, contribuindo para que outros assuntos não tenham espaço na pauta — afirmou.
Segundo ele, as relações entre o governo brasileiro e o regime venezuelano vêm se deteriorando nos últimos tempos, a partir do momento em que Lula não reconheceu Maduro como presidente eleito.
— Isso não significa que desejemos uma invasão ao vizinho, o que pode agravar as crises naquele país — disse.
Em sua opinião, essa crise pode ter efeitos no lado brasileiro da fronteira. Além disso, a defesa nacional brasileira ficaria comprometida com a presença militar de uma potência extrarregional em um país vizinho, “criando um novo precedente de intervenção na longa lista de desrespeitos às soberanias sul-americanas”.

