O governo Trump acabou de divulgar o documento da nova estratégia de segurança nacional dos Estados Unidos. E é velha, bem velha, a nova política americana. Começa dizendo que a América Latina é prioridade, o que parece bom. Afinal, cooperação entre países vizinhos é sempre desejável. No entanto, Donald Trump toca em um ponto sensível ao mencionar a retomada da Doutrina Monroe — implementada em 1823 como política anti-colonização europeia, mas posteriormente transformada em base para a expansão do imperialismo americano na América Central e do Sul. A doutrina serviu de justificativa para intervenções militares e para a política externa do “Big Stick”, adotada pelo presidente Theodore Roosevelt no início do século XX, além de outras interferências diretas na política interna de diversos países latino-americanos.
- Estratégia de Segurança Nacional dos EUA 2025: O que diz o documento sobre cada região do mundo
No documento divulgado nesta sexta-feira, os Estados Unidos afirmam: “Após anos de negligência, os EUA reafirmarão e farão cumprir a Doutrina Monroe para restaurar a preeminência americana no Hemisfério Ocidental e proteger nossa pátria e nosso acesso a regiões-chave em toda a região. Negaremos a concorrentes de fora do Hemisfério a capacidade de posicionar forças ou outras capacidades ameaçadoras, ou de possuir ou controlar ativos estrategicamente vitais em nosso Hemisfério.” A formulação sugere uma leitura anacrônica da ordem internacional, como se a doutrina — concebida há dois séculos — não estivesse ultrapassada. Em outro trecho, o texto afirma que a estratégia buscará “desencorajar a colaboração com terceiros”. No caso brasileiro, isso toca diretamente na relação com a China, hoje o maior parceiro comercial do país por razões econômicas e estratégicas próprias.
A política externa brasileira, desde meados do século passado, é estruturada sobre o princípio da política externa independente, depois ganhou a definição de pragmática. Ou seja, não se alinhar automaticamente a nenhuma grandes potência, agir de forma pragmática e negociar com todos os países. Nesse sentido, o Brasil tem buscado preservar a América do Sul como região estável, de paz, livre de conflitos, e atuado como mediador em tensões locais para evitar escaladas armadas.
A tentativa de ressuscitar a Doutrina Monroe parte de uma concepção segundo a qual os Estados Unidos teriam prerrogativas sobre a América Latina — a velha ideia de que a região seria o “quintal” americano. Se falar em “imperialismo americano” parece ultrapassado, mais ultrapassada ainda é a própria doutrina, cuja lógica não encontra respaldo no ambiente internacional contemporâneo.
É preciso que o Brasil tenha atenção à nova estratégia americana, pois a retomada da Doutrina Monroe não atende ao interesse nacional brasileiro. Os EUA não têm legitimidade para definir com quem o Brasil pode estabelecer relações econômicas ou acordos estratégicos, inclusive no que diz respeito a “materiais estratégicos”, como menciona o documento. Reapresentar uma doutrina que historicamente sustentou décadas de intervencionismo, inclusive com apoio a golpes militares que derrubaram ou ameaçaram governos democráticos, representa um retrocesso perigoso.

