Filha transforma últimos anos de vida da mãe em HQ para lidar com o luto

por Assessoria de Imprensa


Feito no TCC, quadrinho relata a fase final de Alba e ajudou a autora a seguir adiante

Maria transformou os últimos anos de vida da mãe em HQ
Ilustração de Alba estampa a capa da história em quadrinhos (Foto: Paulo Francis)

Para lidar com o luto, Maria Laura Corrêa transformou a história da morte da própria mãe em uma HQ (história em quadrinhos). O trabalho foi impresso, mas apenas cerca de sete pessoas tiveram acesso a ele, entre elas, o orientador do TCC (Trabalho de Conclusão de Curso).

Maria Laura transformou a dolorosa experiência do falecimento de sua mãe, Alba Salomão Cândia, em uma história em quadrinhos como trabalho de conclusão de curso em Artes. A obra de 23 páginas retrata os últimos anos de vida de Alba, que sofria de mal de Parkinson e demência, culminando em um AVC que a deixou com sequelas graves. O processo de criação da HQ, iniciado dois anos após a morte da mãe em 2018, serviu como ferramenta terapêutica para Maria lidar com o luto. Embora retrate um período difícil, marcado por internações e cuidados intensivos, a autora planeja criar novas histórias que mostrem a verdadeira essência de sua mãe: uma mulher forte e determinada.

Hoje assessora parlamentar, Maria ainda estava terminando a faculdade de Artes quando produziu o quadrinho em 2022. Vivendo um período solitário e atravessada pela dor, encontrou no TCC uma forma de colocar no papel aquilo que não saía da mente.

“Eu não diria que é uma homenagem, porque o quadrinho não é muito feliz. É um quadrinho bem triste, ela morre no final. Mas foram muitas coisas pesadas que aconteceram, e eu precisava externalizar e mostrar ao mundo o que tinha acontecido.”

Maria transformou os últimos anos de vida da mãe em HQ
Rascunho de Alba ilustrado por Maria durante execução da HQ (Foto: Arquivo Pessoal)

Nas 23 páginas do livro, ela revisita os acontecimentos entre 2014 e 2018. Na HQ, Alba Salomão Cândia se transforma em Amália, nome fictício que também se estende aos outros membros da família.

“A minha mãe tinha mal de Parkinson, mas o dela não era o que tremia, era o que enrijece, o que, na minha opinião, é muito pior. Ela também começou a ter sintomas de demência, porque minha mãe era idosa; ela me adotou quando já tinha quase 60 anos”, conta.

O agravamento das doenças levou à internação. Depois, veio o AVC (Acidente Vascular Cerebral), que deixou sequelas profundas. Alba parou de andar, de comer e, em determinado momento, ficou com o lado direito do corpo completamente paralisado.

Maria transformou os últimos anos de vida da mãe em HQ
Após sete anos da morte de sua mãe, Maria compartilhou a criação da HQ com o Lado B (Foto: Paulo Francis)

“No começo, eu lembro que ela ainda tentou lutar contra a sequela. Tanto é que tem uma foto da minha mãe segurando um copo de água depois do AVC, tentando tomar água. Mas ela meio que desistiu de lutar, no final das contas, porque ela foi piorando cada vez mais.”

Em uma das páginas, Maria desenha a mão da mãe segurando um ursinho. O brinquedo, conta ela, era usado para evitar que as unhas machucassem a palma da mão. Houve um momento em que ela precisou fazer uma traqueostomia, que está no quadrinho também, não o momento da traqueostomia, mas os seus efeitos.

A rotina das duas irmãs virou revezamento. “Eu e minha irmã nos revezávamos. […] Eu ia à noite, passava a noite lá com ela e minha irmã ficava durante o dia. Era sempre assim. Eu ia para a faculdade e depois dormia no hospital. Era bem ruim. Para alguém que estava começando a vida, era difícil ver a mãe nesse estado”, compartilha.

Em 2018, durante uma das internações, Alba não resistiu. Maria só começou a ilustrar a história quase dois anos após a morte. Resume o processo como dolorido e torturante.

Maria transformou os últimos anos de vida da mãe em HQ
Maria no colo da mãe, Alba, ainda nos primeiros anos de vida (Foto: Arquivo Pessoal)

“Demorei para terminar porque muitas vezes eu não queria fazer; não queria sentar lá e encarar a situação, encarar a história. É uma história difícil de ser relembrada. Demorei demais. Eu não tinha a cabeça que eu tenho hoje para olhar para o que aconteceu com mais maturidade.”

Entre as páginas mais difíceis de criar, ela cita as da traqueostomia. “Eu ficava relembrando. Minha mãe precisava fazer a limpeza das secreções três vezes ao dia e essa tarefa quase sempre coincidia com o momento em que eu chegava à casa de repouso.”

A morte da mãe foi o primeiro contato verdadeiro dela com o luto. Até então, esse território era distante. “Eu acho que quando se perde uma mãe, meio que se perde a base daquilo que você conhece por personalidade sua, e você perde provavelmente a pessoa que mais te amou na vida. O luto é muito difícil, assim, pra mim.”

Maria transformou os últimos anos de vida da mãe em HQ
Nos quadrinhos, Maria retartou do dia-a-dia dos últimos anos de vida de sua mãe (Foto: Paulo Francis)

Mesmo sendo um processo dolorido, o quadrinho acabou virando uma forma de atravessar a perda. “Só depois que eu olhei para essa história é que eu senti que o luto começou a andar, e então consegui seguir com a minha vida e não ficar pensando nisso o tempo todo. Só depois da HQ é que eu consegui olhar para as outras áreas da minha vida.”

Para Maria, a mulher retratada no quadrinho não representa tudo o que Alba foi, mas apenas a fração dos últimos anos. Nos desenhos, ela aparece frágil, diferente da mãe forte que guardou na memória.

“Antes, minha mãe era uma mulher muito forte. Ela era briguenta, no sentido de se posicionar. Eu queria guardar essa mulher, não a que ficou doente por anos, presa em uma casa. A mulher que eu queria lembrar era forte.”

Para o futuro, Maria quer ilustrar novas histórias, desta vez, mostrando a mulher enérgica que sua mãe foi. Também deseja produzir trabalhos que contem outras partes de sua própria vida.

Maria transformou os últimos anos de vida da mãe em HQ
Retratrar a traqueostomia da mãe foi a parte mais dolorosa para Maria (Foto: Paulo Francis)

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