Explosão de ameaças e crimes aterrorizam ribeirinhos no Pará

por Assessoria de Imprensa


Por Cristina Ávila, especial para o Correio — No instante em que editei esses textos, eu recebi notícias de amigos das florestas de que uma operação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade(ICMBio) estava há cinco dias na Reserva Extrativista Riozinho do Anfrísio, sudoeste do Pará, onde estive há poucos meses. A presença de agentes dos órgãos ambientais federais, acompanhados por soldados e oficiais do Exército no combate aos crimes ambientais na Terra do Meio é necessária e desejada. Mas vem acompanhada de pavor. Meu coração dispara ao saber que ribeirinhos que conheci há alguns meses e me acolheram em casa estão escondidos na selva, ameaçados de morte por criminosos, por suspeita de serem responsáveis por denúncias que possam ter motivado a operação. Não é verdade, pois os garimpos onde estão as equipes na unidade de conservação, Fortaleza e Primavera, têm cerca de 40 e 20 anos cada. Os mapas mostram fatos que os ribeirinhos conhecem há décadas: as invasões que ameaçam suas vidas cotidianamente.

“A mais prejudicada é a Resex (Reserva Extrativista) Riozinho do Anfrísio, porque tem bastante acesso pelos municípios, tanto de Rurópolis quanto de Trairão. “As mortes acontecem mais por causa disso”, afirma Anderson Silva de Castro, morador da reserva, da terceira geração de uma família de ribeirinhos na região, e tio de Luciano Castro da Silva, de 22 anos, que foi morto em 13 de julho por um funcionário da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Semas), do Pará, durante uma operação de fiscalização numa comunidade chamada Areia, na divisa entre Trairão e a unidade de conservação federal administrada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). “Ele estava trabalhando há quase um ano, passava períodos lá e voltava pra casa, numa derrubada de motosserra, puxando madeira. Deixou uma criança de mais ou menos 1 ano de idade”. (É possível que as datas não sejam meras coincidências, eu pensei sobre as alternativas de família e renda).

No dia em que conversei com Anderson, em 28 de agosto, mais de um mês depois da morte de Luciano, a viúva ainda não tinha o atestado de óbito. O sobrinho nasceu na resex, como ainda nasce grande parte das crianças ribeirinhas que moram na Terra do Meio. O tio diz que não foi por falta de opções que o jovem foi trabalhar na derrubada. “Hoje na resex tem muitas formas de trabalho. Tem seringa, coleta de babaçu, sementes da floresta, copaíba e frutos”. O mais rico extrativismo é a castanha. Parte dos produtos de coleta é consumida pelos moradores, mas grande parte vai abastecer escolas, por meio do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), do governo federal, com escoamento em sistema de “cantinas”, que levam as safras para comercialização e voltam com insumos para distribuição entre cooperados.

“Mas, devido aos madeireiros chegarem, o cara quer ganhar um pouco mais, às vezes o cara vai na pilha do madeireiro, do garimpeiro, isso é uma questão bem complicada na resex. A Semas demonstrou despreparo. Era pra pegar o maquinário do cara, ter apreendido, tocado fogo. Fiquei encabulado porque só mataram ele, e tinha várias pessoas lá trabalhando. Levaram os outros pra delegacia”, conta Anderson.

Questionada, a Semas admitiu ao Correio Braziliense que “o caso ocorreu durante a operação Amazônia Viva 56” e acrescentou: “Durante a ação, foram lavrados três autos de infração: um por porte de motosserra e dois por coautoria na extração ilegal de madeira. Além disso, foram emitidos dois termos de apreensão, um referente à motosserra e outro a um trator de esteira utilizado para o arraste de madeira ilegal. Também foi lavrado um termo de destruição do trator de esteira, em conformidade com as ações de fiscalização e combate ao desmatamento ilegal na região”. Preferiu não emitir outros comentários.

Natureza e populações tradicionais são encanto nos beiradões. A amabilidade das pessoas, as centenárias histórias familiares que atravessam ciclos econômicos amazônicos, os rios que se ampliam azulados pelo céu imenso e formam curvas e furos desenhando ilhas e florestas inundáveis, as noites de estrelas gordinhas que me lembraram pipocas, a arquitetura das casas com tetos de palha, varandas e estilos que variam a cada região, as chalanas que navegam com bananas na cobertura, o trabalho aguerrido das populações no extrativismo, as organizações sociais que dão esperança e conhecimento, o flagrante de animais que, às vezes, se vê pertinho, casais de araras e jacarés que se aproximam do barco só com os olhos fora d’água, a gastronomia, com seus peixes moqueados, o crepitar do fogo nas variadas formas de comer as caças, as cozinhas afetuosas. Tudo é deslumbramento. Menos as florestas arrasadas e as mortes que se sucedem sem justiça.

Evidentemente, os anos de governo Jair Bolsonaro foram os piores, por exemplo, com cerca de 495 km de estradas ilegais abertas entre 2018 e 2023 na resex. Mas não parou por aí. Em 2024, uma nova frente de invasão se instalou na UC, com fixação de moradias próximas a um ramal ilegal aberto em 2020. Em 2025 foi reaberto o Garimpo da Pesquisa. Relatos de beiradeiros em 2021 já mencionavam ameaças de morte a quem fosse contrário à exploração. Em julho de 2025, o Instituto Socioambiental (ISA) contabilizou cerca de oito máquinas pesadas e 40 pessoas em operação, com acesso por rota de 140 km originada no município de Trairão. “Comunitários narram intenso assédio para aliciamento e participação em atividades exploratórias ilegais”, afirma Ofício Nº 17/2025 da Rede Xingu , aliança de organizações que atuam na região.

O roubo de madeira e desmatamento é observado pela abertura de estradas ilegais: até 2017, o ISA já registrava o monitoramento de 897 km dentro da Resex Riozinho do Anfrísio. O desmatamento foi impulsionado, especialmente, pelo Projeto de Assentamento (PA) Campo Verde, que em parte se sobrepõe à reserva e, na última década, resultou na destruição de quase 3 mil hectares de floresta. E também pelo PA Areia, em Trairão, invadindo a unidade de conservação especialmente em busca de ipê. Além de ouvir moradores, o órgão monitora e publica dados que incluem a parceria com o Sirad-X, o Sistema de Alerta de Desmatamento X, que faz parte de uma rede de outros sistemas que trabalham com informações relacionadas. O Instituto Socioambiental é uma das diversas organizações não governamentais que atuam na Terra do Meio, e acompanha questões ambientais e indígenas na região desde os anos 80/90.

 


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