Em um raro sábado de folga no turbilhão de gravações da novela das nove, “Três Graças”, Sophie Charlotte dedicou a manhã a montar a árvore de Natal com o filho, Otto, de 9 anos. Ela e a mãe, Renate Wolf, também mergulharam nas origens da família ao prepararem um almoço tipicamente alemão antes desta entrevista, feita por chamada de vídeo. “Sou absolutamente louca por decoração de Natal. Organizo tudo aqui em casa: monto a árvore ouvindo Mariah Carey, Frank Sinatra, Simone e Nat King Cole”, diz a atriz, de 36 anos. Abrir detalhes da rotina e de pequenos prazeres ressaltam o brilho no olhar. “Não costumo compartilhar esse tipo de coisa, porque sou reservada, mas são curiosidades. Otto tem dois peixes, e eu, dois gatos. Também estou viciada em ASMR, aqueles barulhinhos de sussurro. No entanto, tudo está um pouco restrito por causa da Gerluce.”
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É esse o nome de sua primeira protagonista no horário nobre, a mãe leoa de Joélly, que engravidou aos 15 anos, em uma dinâmica familiar de gestações na adolescência. Atualmente, 12 horas ininterruptas dos dias de Sophie são da personagem, uma mocinha cheia de tiradas e de nuances — nem coitada, nem heroína, mas uma trabalhadora. “Meu ofício ocupa um lugar importante de prazer, de delírio, e de aprendizado humano”, reflete a atriz. “Três Graças” também atravessa discussões importantes que ultrapassam a ficção, como a gravidez na adolescência e o direito de escolha das mulheres. “Em uma cena, falamos para a Joélly: ‘O que você quer fazer?’ O Brasil não está pronto para discutir a legalização do aborto”, pontua. “O objetivo da novela não era entrar diretamente nesse assunto, mas mostrar que a decisão de ter o filho é nossa”, continua Sophie.
A seguir, a atriz, que tem 20 anos de carreira, mais de 10 novelas e 10 filmes, entre eles, “Meu nome é Gal” (2023), em que dá vida à cantora Gal Costa (1945-2022), discorre sobre a sua faceta cantora. Ela também revela o quanto o namoro com o rapper e ator Xamã, de 36 anos, com quem contracenou no remake de “Renascer” (2024), a faz uma pessoa mais leve.
Gerluce é a típica mulher batalhadora brasileira. Quem te inspirou a criá-la?
Citei minha avó paterna, Alva Frizia (já falecida), na caracterização, porque há códigos dela ali. Gerluce trabalha todos os dias, pega três ônibus, então, usa uma roupa mais prática, jeans, tênis. E não abre mão da vaidade: tem a unha feita, passa batom e lápis nos olhos.
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Segundo pesquisas, uma a cada 23 meninas engravida entre 15 e 19 anos. quais foram suas descobertas sobre esse assunto?
É um tabu enorme. Tanto a gravidez de uma mulher muito jovem, que não finalizou sua formação e ainda não trabalha, quanto daquela que fere o Estatuto da Criança e do Adolescente. Há tantas vítimas de estupro que não conseguem acessar os serviços mais básicos. Vivemos um momento de retrocesso no Brasil, e não sei se estamos prontos, como sociedade, para falar sobre a legalização do aborto, vendo medidas sendo tomadas para impedir o aborto legal de crianças. Elas não têm nem preparo fisiológico, nem psicológico, para passar por isso.
Falar sobre o direito ao aborto legal TV aberta é um tema espinhoso?
Eu acho. O (autor) Aguinaldo Silva e a equipe de roteiristas têm liberdade para desenvolver os temas que acreditam. Às vezes, você dá um passo, mas a trama é mais um retrato do inconsciente para onde caminhamos. O aborto legal é uma pauta muito feminista e progressista. Não estamos prontos e é complexo a ficção forçar isso. Compreendi a importância (do aborto legal) por viver a maior revolução que um corpo pode passar, que é gerar outro ser humano. Entendi que essa vida e esse corpo são meus, e que eu deveria ter voz.
Você fez shows com o Tom Veloso, filho do Caetano, este ano. Como foi a experiência?
Sempre gostei de cantar, mas meu foco profissional era ser atriz, e não cantora. Em “O rebu”, a primeira cena da série era eu cantando “Sua estupidez”. Escrevi uma carta ao Roberto Carlos para que liberasse a música e ele topou. Dois anos depois, veio o filme da Gal Costa. Imagina, viver a Gal com a bênção da própria? Este ano, fui convidada pela Karine Carvalho para montar um show no Bona Casa de Música, em SP, e disse, brincando, que só aceitaria com o Tom e o (músico) Cezar Mendes, meus parceiros. Sou tímida, por incrível que pareça, mas foi superprazeroso.
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Além de tímida, já declarou que, antes do nascimento do otto, era muito perfeccionista. Como tirou esse peso?
Com a chegada dele mesmo, porque é insustentável. A perfeição não combina com a criação de uma criança. A busca pela alegria, a presença e o afeto são mais importantes. Sentia uma necessidade grande de aprovação, de ser aceita, amada, e de não decepcionar ninguém. Porque quando uma notícia ou fofoca são publicadas, e não são verdade, pensava logo na família. Carregamos a bandeira de muita gente. Mas estou me perdoando dessa responsabilidade que ninguém me obrigou a ter.
A trama de “Três Graças” fala sobre ciclos que se repetem. Acha possível romper com certas heranças familiares?
Um caminho muito bom que encontrei, há sete anos, é a psicanálise. Chega uma hora em que a repetição é escrachada. É possível se curar e analisar essa constelação que é a sua vida com isenção e um olhar mais apurado.
Isso te fez repensar a relação com a sua mãe?
Claro. Ter um entendimento maior da maternidade te faz entender a mulher que sua mãe é. Ela sempre foi um apoio e agora é parceira na criação do Otto. Depois que meu pai faleceu (o cabeleireiro paraense José Mario da Silva morreu em 2021), ela, meu irmão, Ângelo, e Otto, são o meu centro.
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No ano passado, você e o Daniel de Oliveira se separaram após oito anos juntos. Como lidou com esse momento?
Nada te prepara para essa virada, não é fácil. Mas a vida é movimento, e aconteceu. A gente se separou e seguimos, com amizade e respeito. Amo os meus enteados, Raul e Moisés (filhos de Daniel com a atriz Vanessa Giácomo). São outras configurações familiares, mas nós dois estamos empenhados na criação do Otto.
Como é essa criação? Ele tem celular ou acesso a redes sociais?
Ele é um garoto incrível, com quem aprendo demais. Eu o crio para que tenha empatia no olhar com o outro e saiba o seu próprio valor. Otto não tem celular. Ele joga um joguinho no tablet, mas rede social, nem pensar.
Você conheceu o Xamã no remake de “Renascer”, e disse que esse seria um encontro improvável fora do set. O que têm em comum?
Curiosamente, ele é um ator e cantor, e eu também estava nesse movimento. Eu e Xamã nos encontramos nessa vontade de exercer a arte de várias maneiras. Não havia expectativas e fomos nos envolvendo. Ele tem muito bom humor, é carinhoso, tem olhar atento, aguçado, é interessado… A partir daí, é íntimo (Sophie ri, com o rosto vermelho, e diz estar tímida ao falar do namorado). Eu me dou o direito de não precisar dividir tudo, e falo com tranquilidade sobre isso. Compreendo o interesse das pessoas e de quem prefere se expor. Mas não é o meu jeito de fazer as coisas.
Já pensou em novas formas de se relacionar ou é monogâmica convicta?
Sou monogâmica, não tenho curiosidade nesse sentido, mas tenho respeito absoluto. Entender o que te faz feliz sem precisar da métrica do outro ou para agradar alguém, buscando a sinceridade de ser o que se é, sem fazer concessões, virou o meu mote.

