A divulgação dos áudios do VAR da partida São Paulo 2 x 3 Palmeiras, realizada no último domingo (5), tornou ainda maior a pressão sobre Ramon Abatti Abel, árbitro de campo, e Ilbert Estevam da Silva, responsável pela arbitragem de vídeo.
Eles já haviam sido afastados pela CBF (Confederação Brasileira de Futebol) por erros cometidos no Morumbi, o mais claro deles a não marcação de um pênalti quando Allan, do Palmeiras, atingiu Tapia, do São Paulo. O placar, naquele momento, apontava 2 a 0 para o São Paulo.
“É indiscutível que foi pênalti. Independentemente de ser acidental, existiu o contato com o adversário, e a bola estava disponível para ele. Isso a própria CBF já reconheceu. O ponto é outro”, afirmou à Folha o ex-árbitro Sálvio Spínola, comentarista da TV Record.
Para Spínola, não houve problemas no protocolo de comunicação entre os árbitros: “Existe uma checagem aberta e silenciosa durante toda a partida. O VAR está sempre atuando”. Porém, segundo ele, pesa contra Abatti Abel e Silva uma série de erros técnicos preocupantes cometidos no lance.
“O árbitro descreveu para o VAR a mesma coisa que o VAR viu na imagem: um escorregão. E aí não recomendaram a revisão porque ficaram com a mesma opinião. Mas em cima disso há duas opiniões técnicas erradas, o que é ainda mais agravante”, disse.
Para Spínola, o lance se enquadra facilmente na aplicação da regra 12, referendada pela Ifab (International Football Association Board), o órgão que regula a arbitragem mundial), que trata de ações imprudentes ou temerárias.
“Tecnicamente, se o goleiro erra um soco em um cruzamento e acidentalmente derruba o atacante, é pênalti. A bola estava para o Tapia, e o jogador do São Paulo só não chega porque é derrubado. A chave do erro é a disponibilidade da bola, ele não viu isso. É simples.”
Sálvio ainda comparou a interpretação ao erro cometido na partida Corinthians x Internacional, pelo Campeonato Brasileiro de 2005. Na ocasião, Márcio Rezende de Freitas não apitou pênalti após choque do goleiro Fábio Costa, do Corinthians, com o volante Tinga, do Internacional.
“Foi um erro grave tal qual aquele, mas na época sem revisão. É inaceitável isso com o VAR. Tenho certeza de que o próprio Ramon viu depois e percebeu o pênalti. Assim como o Márcio”, disse Spínola.
O lance ocorreu aos nove minutos do segundo tempo. O meia Allan escorregou em campo e derrubou o atacante chileno Gonzalo Tapia dentro da área. O árbitro Ramon Abatti Abel entendeu tratar-se de choque normal e deu prosseguimento ao jogo.
“Escorregou, escorregou. O jogador escorrega, os dois estão olhando para a bola, pode seguir”, disse Ramon.
Os responsáveis pela checagem em vídeo ainda reforçam a decisão de campo de Abatti. “Ramon, é justamente isso que você narra, ok?”, registra o árbitro de vídeo. “Tem claramente um escorregão.”
Primeiro árbitro brasileiro a apitar uma final de Copa do Mundo, o ex-comentarista Arnaldo Cezar Coelho considerou inexplicável a decisão de não marcar o pênalti e afirmou que o episódio expõe o despreparo da Comissão de Arbitragem da CBF.
“O que é carrinho no futebol? É o cara que não vai chegar a tempo e desliza. Se acerta o adversário, é falta. O árbitro alegar que o jogador escorregou? Está tudo errado”, afirmou.
“E, pelo áudio, o VAR foi levado pela explicação do juiz. Um árbitro Fifa, que apitou final de Olimpíada, mas que expõe um erro coletivo absurdo. Falta comando e referência na comissão de arbitragem”, acrescentou.
A visão é semelhante à de Carlos Eugênio Simon, árbitro de três Copas do Mundo, atualmente comentarista da ESPN Brasil. “Com os áudios, não mudou muito. Eles erraram: tanto o árbitro quanto o VAR. É claro que não foi pênalti. O áudio só demonstra o desconhecimento da regra, o pênalti é indiscutível”, afirmou.
O lance não foi o único que gerou protestos. Entre outras queixas, os são-paulinos reclamam da não expulsão de Andreas Pereira por dura entrada em Marcos Antônio, também quando o placar apontava 2 a 0. O pé de Pereira escorrega sobre a bola e atinge a canela do rival.
“Apesar de escorregar, ele pega acima do tornozelo. Que fique claro: cometi erros também. O amarelo pode ser fundamentado na regra, mas, para mim, entra como jogo busco grave. Ele se valeu de uma interpretação de jogada temerária”, opinou Spínola.
Na divulgação dos áudios, desabafos puderam ser ouvidos. Quando é cercado por jogadores do São Paulo e ouve reclamação de Luciano, atacante tricolor, Abatti diz: “Você vê a complexidade que é apitar o futebol brasileiro? Não dá paz! É difícil, né?”.
Para Arnaldo Cezar Coelho, há “um ambiente tóxico, com pouco espaço para melhorias”. “Precisamos de representantes técnicos na Comissão de Arbitragem, mas também quem saiba lidar com dirigentes. A escala é desumana”, disse o ex-juiz.