A próxima rodada de negociações comerciais entre os EUA e a China está marcada para a próxima semana, com o secretário do Tesouro, Scott Bessent, e o vice-primeiro-ministro chinês, He Lifeng, enfrentando a tarefa de reduzir as recentes tensões entre as duas maiores economias do mundo num momento de maior vulnerabilidade dos americanos e da admissão, pelo próprio presidente Donald Trump, de que a taxação adicional de 100% que ele anunciou há uma semana é “insustentável”.
Bessent confirmou que conversou virtualmente com He na noite de sexta-feira. O chefe do Tesouro americano descreveu as discussões com He como “francas e detalhadas” e confirmou uma reunião presencial na próxima semana. O Representante Comercial dos EUA, Jamieson Greer, também participou das conversas online.
“O vice-premiê He Lifeng e eu nos envolvemos em discussões francas e detalhadas sobre o comércio entre os Estados Unidos e a China. Nos encontraremos pessoalmente na próxima semana para dar continuidade às nossas discussões”, disse Bessent, acrescentando que a reunião deve acontecer na Malásia.
Os comentários de Bessent foram feitos horas depois de Trump expressar otimismo de que as negociações com autoridades chinesas poderiam resultar em um acordo para apaziguar a crise que levou o líder americano a ameaçar aumentar drasticamente as tarifas. Em conjunto, as declarações sinalizaram um esforço de Washington para acalmar os temores de uma guerra comercial generalizada com Pequim, que poderia ter um efeito sísmico na economia global.
Depois de atingir seu ponto máximo em abril e maio, a guerra comercial entre os dois países foi suspensa em uma série de tréguas de 90 dias — a mais recente expira em 10 de novembro — para os países resolverem suas disputas. Mas a trégua foi abalada depois que Washington ampliou restrições tecnológicas e propôs novas tarifas sobre navios chineses em portos americanos, Pequim respondeu com medidas portuárias semelhantes e controles mais rígidos sobre a exportação de terras-raras, e Trump reagiu com o anúncio de uma taxação adicional de 100% a partir de 1º novembro..
Na sexta-feira, Trump foi questionado se as tarifas extras de 100% poderiam entrar em vigor sem afetar a economia americana:
— Não é sustentável. Mas esse é o número. Provavelmente não poderia continuar, mas eles me forçaram a fazer isso — disse o presidente americano em entrevista à Fox Business.
Trump enfatizou a necessidade de um acordo entre os dois países e confirmou que se reunirá com o presidente chinês, Xi Jinping, durante a cúpula da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (Apec), na Malásia, no fim do mês.
— Vamos nos reunir em algumas semanas. Eu me dou muito bem com o presidente Xi Jinping — disse Trump.
Na semana passada, quando anunciou a taxação adicional, o presidente americano chegou a cogitar o cancelamento do encontro.
Trump afirmou na quinta-feira à noite que está adotando medidas para reduzir os preços da carne nos EUA e estaria perto de um “acordo” que deixará o produto mais barato para os americanos. A declaração a jornalistas foi dada menos de 24 horas após a reunião na Casa Branca entre o chanceler brasileiro, Mauro Vieira, e o secretário de Estado americano, Marco Rubio, o que provocou expectativas no Brasil — ainda que cautelosas — de uma revisão na tarifa de 50% sobre a carne brasileira.
Os EUA eram o segundo principal destino da carne do Brasil, maior produtor mundial, mas os embarques despencaram 58% em setembro, após o tarifaço. Os preços da carne já subiram 14% nos EUA este ano, e em conversa com jornalistas no Salão Oval Trump foi questionado sobre a “inflação do bife”.
— O preço da carne está mais alto do que gostaríamos, mas vai cair rapidamente. Estamos trabalhando na questão da carne e acho que já temos um acordo. Fizemos algo. Trabalhamos nossa mágica — respondeu Trump, sem entrar em detalhes.
O americano também recebeu esta semana na Casa Branca o presidente Javier Milei, da Argentina, outro país fornecedor de carne para os EUA, embora os embarques ainda estejam sujeitos a uma cota anual.
Em Brasília, o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, disse ao Valor que a declaração do presidente americano demonstra disposição em alterar a tarifa.
— A pecuária americana está vivendo um momento difícil, com o menor rebanho dos últimos 75 anos. Tudo o que os EUA não deveriam ter feito era taxar um fornecedor seguro da carne como é o caso do Brasil. Estamos otimistas, mas sem euforia sobre esta perspectiva — afirmou o ministro.
Associações americanas das indústrias de carnes e de café já pediram para Trump voltar atrás na taxação de 50% aos produtos do Brasil, maior fornecedor dos dois produtos para o mercado americano.
Um outro ponto em que os americanos estão “vulneráveis” é comércio de soja. A China é o maior importador do grão, mas há dois meses não compra soja dos EUA, o segundo maior produtor mundial.
Os chineses substituíram a soja americana pela de outros países, principalmente o Brasil — também da Argentina. Sob pressão dos agricultores de seu país, Trump tem feito ameaças para que Pequim retome as compras, mas sem sucesso até agora.