A agenda com o presidente americano era prioridade do governo brasileiro na viagem à Ásia, mas a recíproca não era verdadeira para os Estados Unidos. O maior desafio de Donald Trump no continente era desatar o nó das relações com a China, o que parece começou a ser desfeito nesta segunda-feira. E não há demérito nenhum para o Brasil em não estar no topo da lista americana, pelo contrário. O governo abriu espaço numa agenda disputada para tratar de temas que lhe são caros como o tarifaço e a aplicação de sanções aos ministros da Suprema Corte. Ponto para o Itamaraty. Mas isso explica um certo silêncio da comitiva americana sobre o encontro entre os dois presidentes que tem sido alvo de alguns analistas, diz Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior do Brasil e sócio da BMJ Consultores. Para ele, a reunião pode sim ser considerada positiva.
— O Brasil está disputando agenda com um monte de países, e não é uma negociação simples, a gente não sabe quando é que vão terminar essa negociação. Mas o fato de ter começado, já ter tido uma reunião hoje, é um bom sinal — afirma Barral.
Benny Spiewak, especialista em direito internacional e mestre em propriedade intelectual na The George Washington University e sócio de SPLAW advogados, reforça que o Itamaraty marcou pontos importantes, mas sabe que esse é o passo inicial de longa e potencialmente complexa jornada. Para o especialista, ao delegar ao secretário de Estado, Marco Rubio a continuidade técnica do diálogo, o presidente Trump já sinalizou que do lado americano os pedidos virão, possivelmente, pautados na reavaliação da pauta bigtechs, redução de tarifas para o etanol americano (hoje perto de 20%) e alguma exigência no campo das terras-raras.
- Qual é o impacto do encontro de Lula e Trump nas negociações sobre o tarifaço? Especialistas respondem
E Brasil e Estados Unidos não precisam concordar em tudo para que essa conversa vá adiante pontua Carlos Frederico de Souza Coelho, professor de Relações Internacionais da PUC- Rio e da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército. Para ele, o encontro entre os dois presidentes de um reset nas relações entre os dois países, o que é importante.
— Não é um problema que os países discordem em alguns pontos. Isso é totalmente normal. O importante é que, ao que tudo indica, há um retorno a certo pragmatismo nas relações entre os dois países — algo que havia se perdido. É um alento, porque Brasil e Estados Unidos viviam o pior momento das relações bilaterais em mais de 200 anos. Apesar de estarmos em um momento de reconstrução, isso já é muito positivo — diz o professor.
O resultado da reunião, até aqui, representa uma virada significativa, especialmente se comparado a agosto, quando o anúncio da sobretaxa foi feito por Trump em suas redes sociais, sem seguir qualquer protocolo diplomático. O professor Leonardo Paz, do Ibmec, avalia que o discurso de otimismo do governo brasileiro sobre a proximidade de um acordo tem também um componente político voltado ao público interno.
– Há um cálculo político. Quando o governo destaca aspectos positivos da relação de Lula com Trump, envia uma mensagem ao Centrão, especialmente à ala que começa a se afastar do bolsonarismo. Boa parte dessa estratégia está sendo conduzida em um círculo muito restrito, difícil de vazar. Na minha avaliação, até o fato de Lula ter falado em moeda alternativa para o comércio com Singapura pode ser parte da tática de negociação — um assunto deixado sobre a mesa. O mesmo vale para a questão da Venezuela: se tudo der certo, pode haver uma narrativa de que o Brasil ajudou os EUA nessa vitória.
Para Paz, o Brasil tem pouco a ceder nessa negociação.
— Esse é o ponto central. Já temos déficit com os Estados Unidos. O Brasil não tem grandes contenciosos comerciais e boa parte do que estava na carta inicial de Trump é, simplesmente, impossível de entregar.
Ele acrescenta que um ponto ainda pouco explorado — mas que pode entrar na pauta futura — é o investimento brasileiro nos Estados Unidos.
— Trump tem celebrado países que anunciaram produção em solo americano. O Brasil já tem empresas como a JBS atuando lá, e isso pode ser um elemento interessante nas próximas rodadas de negociação — conclui.

