Uma empresa foi condenada a pagar indenização por danos morais após demitir uma funcionária por fazer tranças afro. Na sentença, o juiz Emanuel Holanda Almeida, do Tribunal Regional do Trabalho de Alagoas (TRT-19), frisou que o caso se trata de uma ação de racismo cultural e viola honra e a dignidade da pessoa humana.
O caso ocorreu em março deste ano, quando a então funcionária Gabriela Barros, que estava na empresa desde outubro de 2024, fez tranças no cabelo. A jovem então começou a receber ameaças de demissão e comentários preconceituosos vindos da dona da empresa, que afirmou explicitamente não aceitar o penteado.
Em vídeo nas redes sociais, Gabriela conta que fez uma trança nagô, mas se viu forçada a tirar após exigência da chefe. “Tinha contas a pagar, então aceitei”, relata. Após um período, ela teria feito outra trança, que classificou como mais comum e que chamava menos atenção, mas foi novamente advertida. “Dessa vez eu resolvi não tirar porque era contra o que eu acredito, contra minhas vivências e contra minha ancestralidade”, diz em vídeo.
Áudios anexados ao processo mostram episódios em que a ré intima a funcionária a retirar as tranças e ameaça afastar ela do trabalho. “Eu já te avisei, você teve sexta, sábado, domingo e hoje você veio pra empresa, e você sabe que eu não aceito. Veja para tirar essa trança hoje, se for pra vir amanhã pra empresa, nem venha com essa trança, tô te avisando, beleza?”, diz.
Em outro trecho, ela alega que pediu para a funcionária ir embora no meio do expediente como “forma de punição” e afirmou que o local “não é bagunça”.
A denúncia ainda momento em que a proprietária ataca diretamente questões étnico-raciais: “Mas a questão do cabelo também pra mim interfere, interfere porque aqui é um escritório, então às vezes é o seu ver, às vezes é a sua cultura, como você falou, mas aqui a gente não aceita”, diz outro trecho.
A ré ainda chegou a comparar as tranças com penteados de carnaval e decotes. “Se ele chegar aqui com cabelo laranja, de carnaval, de festa, no outro dia, ele vai ter que trazer esse cabelo normal”, alegou.
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A proprietária diz ainda, em outro áudio, que poderia aceitar o cabelo caso a funcionária tivesse um “estilo social”, se referindo às roupas utilizadas. Na decisão, o juiz afirma que as fotos anexadas pela denunciante “demonstram que ela se vestia de forma social e adequada ao ambiente de trabalho, desmentindo a alegação de que o problema seria o conjunto ‘cabelo + vestimenta’”.
Gabriela foi demitida em 26 de março sem justa causa, mas precisou cumprir aviso prévio até 25 de abril. Durante esse período, a patroa afastou a jovem da função no escritório, para o qual foi contratada, e a colocou para fazer serviço de panfletagem para a empresa.
Em depoimento, a condenada admitiu que não aceitava o penteado e que, no ato da contratação, alertava sobre regras sobre cabelo diferente, tipo de acessório (“piercing”) e roupas (como decote)”. “Caberia ao futuro funcionário aceitar ou não; que se o funcionário quisesse trabalhar na empresa, teria que mudar o cabelo”, diz.
Segundo o juiz, a alegação de padrão da empresa não se sustenta como prerrogativa para o ato. “Por que as tranças afro interfeririam negativamente? Qual é o fundamento objetivo dessa interferência? A resposta só pode ser uma: o preconceito racial velado, a associação do cabelo afro a algo inadequado, desalinhado, não profissional”, diz a sentença.
“Essa é a face mais cruel do racismo estrutural: a imposição de padrões estéticos eurocêntricos como sinônimo de profissionalismo, elegância e adequação, em detrimento das manifestações culturais e estéticas da população negra”, defende. A decisão aponta ainda que a exigência é diferente de um “dress code”, padrão de vestimenta justificado pelo local de trabalho.
A empresa foi condenada a pagar indenização de R$ 15 mil por danos morais. Apesar de considerar justo o valor da causa estipulado pela defesa, R$ 101.103,72, o magistrado destaca que o pagamento do montante poderia resultar no encerramento da empresa e comprometer a capacidade da organização de cumprir as obrigações com os demais funcionários.

