De compras na feira a decisões de IA em apps de namoro, razões para você querer entender os números

por Assessoria de Imprensa


A gente costuma ver números em todos os cantos, mas nem sempre o que é chamado de “número” pela maioria das pessoas é definido assim pelos matemáticos. As identificações de um apartamento ou de um telefone, por exemplo, são apenas nomes escritos com dígitos. Números, como explica Marcelo Viana em seu livro “A descoberta dos números”, são aqueles capazes de produzir novos números por meio de operações matemáticas, como soma e multiplicação. Parece bem simples — mas nem tanto, sobretudo quando se entra num universo vastíssimo que inclui os naturais, os primos, os negativos, os racionais, os imaginários, os infinitos, os infinitésimos e até uns tais de números surreais, que englobam todos os outros e que eu vou cortar um dobrado para tentar explicar até o fim deste texto.

O novo livro de Viana, que é diretor-geral do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa) e reconhecidamente um dos principais matemáticos do Brasil, procura justamente iluminar a origem e o significado de todos esses grupos que servem desde para comprar uma dúzia de laranjas no mercado, até para desenvolver tecnologias avançadas de inteligência artificial. Publicado pela editora Tinta-da-China Brasil, o livro terá uma sessão de lançamento na próxima quinta-feira, dia 6, às 19h, na Travessa de Ipanema, em que o geneticista Hugo Aguilaniu mediará uma conversa com Viana.

“A descoberta dos números” surgiu de uma encomenda feita pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), no início do ano. Foi pedido a Viana que preparasse uma palestra para estudantes e professores, o que ele fez. O resultado serviu de incentivo para o matemático expandir o texto e transformar a fala num livro.

— Dei essa palestra em maio, e percebi que o que eu tinha preparado poderia crescer para contar a história dos números — conta Viana, que claramente se anima a narrar histórias e mais histórias sobre os objetos de seu livro. — Os diferentes tipos de números foram descobertos a partir de necessidades distintas. Os inteiros surgiram porque a gente precisava contar. As frações e depois os irracionais surgiram motivados por questões da geometria, da medição. E a partir daí foi diferente, os outros foram sendo introduzidos por questões matemáticas. Por exemplo, os negativos. Você sabia que 5 menos 3 dá 2, né? Mas e se a gente fizesse 3 menos 5? Ficava estranho uma conta ter resultado, e a outra, não.

No livro, Viana relembra a origem de cada conjunto de números, contextualiza a época e o autor dos conceitos e também descreve a reação de outros pesquisadores frente às descobertas. Ainda tendo os negativos como exemplo, o matemático explica que eles surgiram para representar dívidas ou andares no subsolo. Só que a vida não foi fácil para quem estava abaixo de zero, e teve muita gente discordando de sua necessidade ao longo dos séculos. Um desses críticos, o inglês Francis Maseres (1731-1824) chegou a dizer que os números negativos “obscurecem toda a teoria das equações e tornam complicadas coisas que são, por natureza, totalmente óbvias e simples”.

Pior sofreu o conjunto infinito. Depois que o matemático alemão Georg Cantor propôs na segunda metade do século XIX sua teoria para os infinitos, colegas de profissão usaram adjetivos como “incompreensível” e “impossível”, e outros minimizaram a tese, dizendo que o infinito é “apenas a possibilidade sem fim de criar novos objetos, sem importar quantos objetos existem”. A demonstração de Cantor, aceita hoje sem controvérsia, foi justamente numa direção contrária: os conjuntos infinitos podem, sim, ser maiores ou menores do que outros grupos de infinitos.

Invenção ou descoberta?

Viana também descreve a descoberta ou desenvolvimento de conceitos como o zero, os números de Fibonacci e o famoso π. O zero, como ele explica, nasceu da necessidade prática de indicar uma casa vazia nos sistemas de numeração antigos e demorou séculos para ser reconhecido como número (“Afinal, quem precisa de um número para contar ou medir coisa nenhuma?”, escreve Viana).

A sequência de Fibonacci, por sua vez, é aquela em que cada termo resulta da soma dos dois anteriores (1, 1, 2, 3, 5, 8, 13…), e surpreende por aparecer em diferentes situações da natureza, como na disposição das sementes das flores de um girassol.

Já o π (pronuncia-se “pi”) é o mais célebre dos números irracionais, aquele do 3,141592… O π representa a razão entre o perímetro da circunferência e o diâmetro — numa sequência infinita e sem padrão, que misteriosamente surge em outras equações matemáticas que em nada têm relação com sua origem geométrica. Casos como a sequência de Fibonacci e o π usualmente levantam discussões se a matemática foi inventada pelo homem ou descoberta na natureza.

— Eu comento no livro que a soma dos inversos dos quadrados, 1/1² + 1/2² + 1/3² + 1/4² etc., tudo isso somado dá π2/6. E o que esse resultado tem a ver com o perímetro da circunferência? — diz Viana. — São relações que parecem mostrar uma certa unidade oculta que a matemática traz ao relevo. Significa que o π tem um papel conceitual que se manifesta de diversas formas. Mas é uma questão filosófica que não está completamente resolvida e provavelmente nunca estará.

Tanto na entrevista ao GLOBO, quanto no livro, Marcelo Viana procura mostrar que nada é tão estranho que não possa ser explicado. O matemático está à frente do Impa desde 2016, mesmo ano em que recebeu o Grande Prêmio Científico Louis D., principal honraria científica da França. Já o Instituto foi criado em 1952 e, entre pesquisas e cursos, tem a atribuição de organizar a célebre Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP).

— A Olimpíada está completando 20 anos. São 18,5 milhões fazendo a OBMEP mais tradicional todos os anos. Você soma aí os cinco milhões que participam da Mirim, e temos mais de 10% da população brasileira fazendo a Olimpíada de Matemática todo ano. É um caso único no mundo — diz Viana.

A OBMEP comprova o quanto o interesse pela matemática vem crescendo no Brasil. É uma ciência que está na base de pesquisas muito em moda, como a inteligência artificial, e que, por isso, tem despertado mais procura por estudantes e leigos.

— A matemática sempre foi útil para fazer contas, aquelas aplicações corriqueiras mais básicas. Mas hoje a matemática está tomando conta inclusive de decisões que impactam a sociedade. Antigamente, quando pedia um financiamento no banco, era o gerente que resolvia. Agora, provavelmente vai ser uma IA que vai tomar a decisão, e o gerente só vai seguir o que a IA mandar. Até os aplicativos de namoro usam IA para tomar decisões — avalia Viana. — Por isso a matemática e suas ferramentas têm uma presença cada vez maior na atividade das pessoas.

Dito tudo isso, falta cumprir a promessa e explicar os tais números surreais. Eles são uma invenção relativamente recente, do matemático britânico John Conway, nos anos 1970, e são uma espécie de universo numérico que inclui todos os outros. Conway desenvolveu o conceito ao pesquisar o jogo de tabuleiro chinês “go”, que tem uma quantidade imensa de posições possíveis — mais do que 10¹⁷⁰, o que faz do xadrez e suas 10⁴⁰ posições um jogo de criança. Ao estudar suas combinações, Conway criou um sistema em que cada número nasce de dois conjuntos, um à esquerda e outro à direita, capazes de gerar todos os números conhecidos — e muitos outros, dos infinitésimos aos infinitos.

Bem, eu tinha avisado que nem tudo era tão simples assim.

‘A descoberta dos números’. Autor: Marcelo Viana. Editora: Tinta da China Brasil. Páginas: 176. Preço: R$ 79,90.



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