A viagem de mais de oito horas até o Rio é mais uma oportunidade de visibilidade para os garotos, que foram finalistas do estadual da categoria deste ano e campeões em 2024. O favoritismo é todo rubro-negro na partida que vale a classificação à segunda fase. Mas surpresas sempre podem acontecer.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2025/e/T/uRtfZ0QymbHGIhsZNLkA/img-3695.jpg)
E não seria tão surpreendente aos olhos do Flamengo, que conhece bem os frutos do trabalho de base do Porto Vitória. Nos últimos dois anos, ele ganhou praticamente todas as competições capixabas desde o sub-11 ao sub-20. O clube carioca já contou com o talento do zagueiro Natan, revelado no time do Espírito Santo, com passagens pelo Bragantino, Napoli-ITA e atualmente no Bétis. Todas as transações renderam cerca de R$ 12 milhões aos cofres da equipe, sendo pouco mais de R$ 1 milhão do mecanismo de solidariedade da Fifa por ser o formador.
O “menino dos olhos” do Porto Vitória também faz parte da base do rubro-negro. Há dois anos, Guilherme Queiroz trocou os treinos na Associação Esportiva Siderúrgica Tubarão (AEST) e os jogos no Camp Nou, na Barcelona capixaba, pelos campos do Ninho do Urubu. Ele é um dos atacantes do sub-15 do Flamengo, ao lado do conterrâneo José Eduardo. O Porto Vitória mantém 20% dos direitos econômicos do garoto.
—É um centroavante nato, mais de 1,80m, longilíneo — diz o ex-zagueiro Silvério Santos, diretor geral da base do Porto Vitória, que procura biotipos semelhantes nas triagens, mas reforça que o talento prevalece. — As bases de hoje se preocupam muito com tática, posicionamento em campo, e os garotos não fazem o mano a mano.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2025/t/v/TdJozKRlAbPbATRod4kg/whatsapp-image-2025-10-21-at-16.12.04.jpeg)
Há décadas no futebol, Silvério tem uma visão bem pragmática do projeto iniciado pela tradicional família Coelho há 11 anos, com capital inicial de R$ 15mil. Atualmente, o custo mensal do clube é de R$ 1 milhão, incluindo o time profissional, criado em 2022, e ainda é deficitário.
— Futebol não se faz sem dinheiro. Nossa meta é formar e vender jogador. Mas sabemos que os grandes talentos são poucos, dois, três, no máximo. Conversamos com eles sobre isso — afirma o diretor, que, recentemente, perdeu o coordenador da base, o professor Paoli, para o Botafogo.
Para impulsionar o crescimento do clube, os executivos fecharam parceria com Rafaela Pimenta, agente de jogadores como Haaland, do Manchester City, por intermediação do ex-jogador capixaba Maxwell, lateral de sucesso no PSG e na seleção. A ideia é criar uma “embaixada” na Europa para apresentar os talentos do Porto Vitória e captar investimentos.
O planejamento de um clube bem estruturado e financeiramente estável anda de mãos dadas com o propósito social, que impacta a região. Além de formar atletas, o clube oferece acompanhamento escolar, conta com apoio psicológico e de assistência social como forma de inserção dos atletas vindos das classes menos favorecidas.
O clube, por exemplo, doa cestas básicas para as famílias dos jogadores em situação mais precária. Os parentes dos jovens das classes mais abastadas também se reúnem numa rede de solidariedade.
—Nem todos viram jogadores, mas todos saem daqui melhores cidadãos — reforça o presidente do clube, Vinícius Coelho, que tem contato direto com as famílias e as orienta para que os filhos não se percam pelo caminho. — Muitos pais recebem propostas para levar os filhos daqui com 12, 13 anos. A decisão é sempre deles, mas eu converso sobre as dificuldades de uma mudança desse tamanho na vida da família, e nem sempre o garoto está pronto.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2025/h/4/mxKBxrTwepNVM2LZn0SA/whatsapp-image-2025-10-21-at-16.24.11.jpeg)
A fila por um lugar na base do Porto Vitória só cresce. Hoje, a maioria dos atletas é do estado, mas já há quem venha de Minas, interior de São Paulo e do Rio pela fama do clube. Aos poucos, o time vai ganhando espaço no coração dos capixabas.
Um programa tem sido fundamental: um dia do Porto Vitória em alguns colégios da região. Os alunos recebem a visita do mascote, de membros do clube, participam de gincanas e recebem prêmios relacionados ao verde e branco. Há até uma incipiente torcida organizada.
Único representante do Espírito Santo com o certificado de clube formador da CBF, o Porto Vitória se vê também como um projeto de reconstrução — esportiva, social e simbólica — de um estado que durante décadas viu seu talento desperdiçado pela falta de estrutura e de visibilidade. Até hoje nenhum time chegou à primeira divisão do Campeonato Brasileiro unificado a partir de 1971.
Vinícius Coelho explica a situação do futebol do estado pela história do Brasil.
—O Espírito Santo foi mantido isolado desde o período colonial. Era uma barreira natural para proteger o ouro de Minas Gerais — diz.
O isolamento econômico e político se traduziu em atraso esportivo. Enquanto o Rio, São Paulo e Minas erguiam potências, o Espírito Santo assistia de longe. Nos anos 1980 e 1990, a Desportiva Ferroviária ainda resistia com o patrocínio da Vale, mas perdeu sustentação após a privatização. O Rio Branco, outro tradicional, sucumbiu a crises financeiras. O Linhares foi o último representante na Série B, em 1995.
Hoje, Rio Branco e Ferroviária tentam se reerguer por meio de SAFs. O governo do estado também busca colocar o futebol capixaba no mapa com leis de incentivos. Os clubes presentes em competições nacionais profissionais receberão uma verba extra. Com vaga garantida na Copa do Brasil pela primeira vez, o Porto Vitória terá direito a R$ 500mil.
— O projeto deles subiu o sarrafo na base e no profissional — diz o presidente da Federação de Futebol do Espírito Santo (FES), Gustavo Oliveira, que criou campeonatos de base após demanda do clube e busca a inclusão dos times do estado no novo torneio Sul-Sudeste. — Por questões de estatuto, jogamos no Centro-Oeste.
Com mais de 300 jogadores em todas as categorias (alguns vivendo nos alojamentos do clube), o Porto Vitória prevê um salto nos próximos anos. O presidente pretende colocar de pé em breve um centro de treinamento de 100 mil metros quadrados, com quatro campos e moradia para cerca de 100 atletas. O custo previsto é de R$ 25 milhões, e a pedra fundamental depende apenas da obtenção das últimas licenças:
— Até 2030, se não for o Porto, algum clube do Espírito Santo estará na série B.
Hoje, às 15h, na Gávea, o Flamengo estreia na Copa do Brasil Sub-20. Apenas mais um jogo para os meninos do Ninho, crias de uma das bases mais fortes e bem estruturadas do país. Do outro lado, estará o modesto Porto Vitória, um clube empresa do Espírito Santo, que sonha deixar de ser apenas uma sombra do eixo Rio–São Paulo–Minas no futebol brasileiro e se firmar como um dos grandes formadores de talentos do país.
A viagem de mais de oito horas até o Rio de Janeiro é mais uma oportunidade de visibilidade para os garotos, que foram finalistas do estadual da categoria deste ano e campeões em 2024. O favoritismo é todo rubro-negro na partida única que vale a classificação à segunda fase. Mas surpresas sempre podem acontecer.
– Guilherme Calci, camisa 10 do São Paulo no sub-20
- Guilherme Santos, artilheiro da Taça BH Sub-17 pelo Atlético Mineiro, e depois artilheiro dos Brasileiros Sub-20 e Sub-23 pelo Red Bull Bragantino; hoje no Avaí
– Daniel Monteiro, zagueiro titular do sub-17 do Flamengo
– Guilherme Queiroz e José Eduardo, dupla de ataque do sub-15 do rubro-negro carioca
- Bruno Ramos, zagueiro do Sporting de Lisboa
– Na venda de Natan do Napoli para o Betis, o negócio rendeu cerca de 12 milhões de reais ao Porto Vitória.
O clube se aproximou recentemente de Rafaela Pimenta, a empresária, através de Maxwell.
No Ranking que mede a base dos clubes, está à frente de Botafogo e Portuguesa. É o único no ES que tem certificado de clube formador. Recentemente, perdeu seu coordenador de base para o Botafogo, professor Paoli.
O futebol capixaba sempre viveu à sombra do eixo Rio–São Paulo–Minas. Mas, nas últimas temporadas, um clube discreto e obstinado vem quebrando o isolamento histórico do Espírito Santo. O Porto Vitória Futebol Clube, nascido há pouco mais de uma década, tornou-se uma das principais forças formadoras de atletas do país e se prepara para o maior desafio de sua curta história: disputar a Copa do Brasil em 2025.
Mais do que um time, o Porto Vitória é um projeto de reconstrução — esportiva, social e simbólica — em um estado que durante décadas viu seu talento desperdiçado pela falta de estrutura e de visibilidade.
Um estado à margem e um projeto de pertencimento
O presidente do Porto Vitória gosta de começar sua fala com uma aula de história. “O Espírito Santo foi mantido isolado desde o período colonial. Era uma barreira natural para proteger as minas de ouro de Minas Gerais”, explica.
Esse isolamento econômico e político se traduziu em atraso esportivo. Enquanto o Rio, São Paulo e Minas erguiam potências, o Espírito Santo assistia de longe. Nos anos 1980, a Desportiva Ferroviária ainda resistia com o patrocínio da Vale, mas perdeu sustentação após a privatização. O Rio Branco, outro tradicional, sucumbiu a crises financeiras e disputas políticas.
O Porto Vitória nasceu nesse vácuo — e justamente para preencher a ausência de um projeto sólido. Criado em 2014, o clube surgiu de uma iniciativa familiar: o pai do atual presidente, um baiano que chegou ao estado com poucos recursos, decidiu investir num sonho. “Ele queria retribuir ao Espírito Santo criando oportunidades para os jovens”, conta o dirigente.
O investimento inicial foi modesto: R$ 15 mil por mês, dois times de base (Sub-15 e Sub-17) e uma pequena equipe técnica. O título estadual Sub-17 no primeiro ano mostrou que havia algo diferente ali.
Da base ao profissionalismo
Dez anos depois, o Porto Vitória é referência em formação. Possui categorias do Sub-11 ao Sub-20, equipe profissional, estrutura em expansão e um novo centro de treinamento em construção. O investimento atual passa de R$ 1 milhão mensais, somando todas as divisões.
Mas o que impressiona é o modelo de gestão. Enquanto muitos clubes pequenos do país ainda operam de forma amadora, o Porto Vitória escolheu profissionalizar cada etapa do processo.
A direção contratou a Fundação Dom Cabral, uma das maiores escolas de negócios da América Latina, para implantar um planejamento estratégico de longo prazo e capacitar seus gestores.
“Queremos que o Porto seja uma empresa moderna, com metas, indicadores e responsabilidade social. Sustentabilidade é a palavra-chave”, afirma o presidente.
Silvério e a engrenagem da base
Se a presidência cuida da visão estratégica, quem faz o dia a dia girar é Silvério, coordenador das categorias de base e uma das figuras mais respeitadas do clube.
Entre treinos, avaliações e viagens, ele é o elo entre o sonho dos garotos e a realidade de um projeto que já colocou o Espírito Santo nas páginas da CBF e da FIFA.
“Hoje nós temos uma estrutura consolidada. O clube investiu em comissão técnica, nutrição, fisioterapia, psicologia e alojamento. Nosso desafio é manter o equilíbrio financeiro sem abrir mão da qualidade”, diz Silvério.
Ele fala com orgulho do desempenho recente: o Sub-20 chegou às semifinais da Copa Espírito Santo e, no profissional, o time conquistou o acesso à elite capixaba. A cereja do bolo virá com a Copa do Brasil de 2025, onde o Porto Vitória representará o estado.
“É um prêmio para todo o trabalho feito na base. Jogaremos contra clubes de Série A e mostraremos que o Espírito Santo tem futebol de verdade”, projeta.
A política do Porto Vitória é clara: formar, projetar e reinvestir. O clube se especializou em descobrir jovens antes que o mercado os perceba.
Entre os nomes que passaram por lá estão Natan (revelado no clube e negociado com Flamengo, Red Bull Bragantino e depois Napoli, hoje no Betis), Denivys Will (goleiro, ex-Cruzeiro), Guilherme Santos (Avaí), Guilherme Calci (São Paulo FC) e Lucas Rafael (Vasco).
Somando apenas a cadeia de negociações de Natan, o Porto Vitória recebeu cerca de R$ 12 milhões — dinheiro reinvestido em infraestrutura e nas categorias menores.
Atualmente, o clube mantém jogadores com percentuais retidos em clubes como Palmeiras, Flamengo e Athletico-PR, o que garante fluxo de receitas futuras.
“O futebol brasileiro precisa valorizar o formador. É ele quem garante que um menino de 13 ou 14 anos tenha alimentação, educação e acompanhamento psicológico. Nós somos a base da base”, resume Silvério.
Desafios e bastidores capixabas
Mas nem tudo são vitórias. O coordenador não hesita em expor os obstáculos que o clube enfrenta dentro do próprio estado.
“O futebol capixaba ainda é muito político. Há interferências, decisões de bastidores, e isso dificulta quem trabalha com seriedade”, lamenta.
Ele cita episódios recentes em competições locais, onde clubes tradicionais teriam sido favorecidos. “A gente tem de lutar contra a estrutura, mas o que nos motiva é ver nossos garotos crescendo.”
Mesmo assim, o Porto Vitória inspira mudanças. Desportiva Ferroviária e Rio Branco — os antigos gigantes do estado — começaram a adotar práticas de gestão semelhantes, reconhecendo o impacto do novo modelo.
Visão global e parcerias estratégicas
De olho no futuro, o Porto Vitória firmou parceria com Rafaela Pimenta, uma das empresárias mais influentes do futebol mundial, e com Márcio Oliveira, especialista em marketing esportivo.
A meta é internacionalizar a marca, abrir portas na Europa e atrair investidores estrangeiros, sempre respeitando as regras da FIFA que limitam transferências de menores de 18 anos.
“O Espírito Santo pode ser um celeiro de talentos para o mundo. A diferença é que agora existe um projeto estruturado para isso”, diz o presidente.
Mais que um clube: um símbolo de transformação
O Porto Vitória virou um caso de estudo sobre como planejamento, profissionalização e propósito social podem mudar o destino de uma região inteira.
Além de formar atletas, o clube oferece acompanhamento escolar, aulas de reforço e programas de inserção profissional para quem não segue no futebol.
“Nem todos viram jogadores, mas todos saem daqui melhores cidadãos”, reforça Silvério.
Em 2025, o Porto Vitória entrará em campo pela Copa do Brasil, representando o Espírito Santo em um torneio que movimenta milhões e projeta clubes emergentes.
O sorteio pode colocá-lo frente a frente com gigantes nacionais — e, se isso acontecer, será mais do que um jogo. Será o encontro entre o passado e o futuro do futebol capixaba.
“Chegamos até aqui com trabalho, humildade e visão. O Espírito Santo vai voltar a ser visto no futebol brasileiro”, promete o presidente.
De Vitória para o Brasil
A história do Porto Vitória ainda está sendo escrita, mas já cumpre um papel que ultrapassa o campo.
Num estado que durante décadas foi lembrado apenas pelos que saíram, o clube ensina que é possível ficar, construir e transformar.
Do investimento modesto à gestão empresarial, o Porto Vitória se tornou o símbolo de um novo tempo — aquele em que o Espírito Santo, finalmente, volta a ter voz e bola nos gramados do país.