O muro do Clube Regatas do Flamengo, na Gávea, não é mais um simples muro branco de 274 metros, com detalhes em preto e vermelho. Ganhou status de “museu a céu aberto”, com direito a inauguração e tudo. A definição é da historiadora Desirree Santos, gerente de Patrimônio Histórico do Flamengo, que coordenou a curadoria e pesquisa para a realização de uma intervenção artística em homenagem aos flamenguistas. E assim, hoje, no dia em que o Flamengo comemora 130 anos, a sede do clube passa a ser “abraçada” por imagens que remetem à sua trajetória, identidade e grandeza. Seis artistas assinam as obras.
— Tentamos trazer elementos símbolos e traços identitários para representar a nação no muro. Não é uma linha cronológica, mas dá conta dos 130 anos de forma recortada. O remo, nosso esporte fundador, é destacado, assim como Zico, a torcida, o Maracanã, momentos históricos, trechos do hino, frases importantes do que é ser Flamengo, o urubu, a mística do São Judas Tadeu, o manto… Para uns é camisa, para o Flamengo é manto. E o peso desse manto enverga varal — explica Desirree.
A gerente e sua equipe, com 16 profissionais, estão por trás da construção dos produtos comemorativos desta data, em parceria com as áreas de Comunicação e Marketing. Faz parte desta lista, o lançamento da webserie “Ser Flamengo” (Flamengo TV) e o lançamento da camisa Pherusa, nome da primeira embarcação rubro-negra que quando foi ao mar enfrentou tempestade e naufragou. O episódio foi a inspiração para a fundação do clube.
Museu a céu aberto: veja imagens do novo muro do Flamengo, na Gávea, que celebra 130 anos de história
Seis artistas retrataram momentos marcantes do Flamengo, ídolos do clube, além de símbolos de uma nação
— A construção de uma nação parte de uma identidade. E a identidade é criada a partir da sua própria história. O flamenguista sabe o que é “ser Flamengo”, conhece o Adílio, o Nunes, sabe que temos um mito de origem. O que a gente faz aqui enquanto patrimônio histórico é conservar essa história. Até porque também somos Flamengo — afirma Desirree, ao explicar que a experiência da pessoa física, a do torcedor, e a de especialista, se completam.
O departamento possui em suas reservas técnicas 35.161 itens, sendo 7.071 troféus. Deste total, apenas 0,9% faz parte do acervo do Museu do Flamengo, inaugurado em 2023. Não chega a 1% (o museu digital tem mais conteúdo, vídeos e textos).
Deste total, 6.573 são objetos inventariados, ou seja, que passaram por processo de documentação e detalhamento. A grande maioria, embora catalogada, ainda ganhará mais informações sobre origem e história.
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São flâmulas, itens licenciados, vestuário, mantos, troféus, documentos, fotos, instrumentos, entre outros, guardados nas dependências do clube.
O departamento, que fica colado ao museu, não é aberto ao público. Há uma “passagem secreta” deste departamento ao museu para facilitar o entre e sai das peças para exposição.
Entre os destaques do acervo estão instrumentos como trompete e clarinete da Charanga, a primeira torcida organizada do clube. Um álbum sobre Lydia Von Lhering, percursora de modalidades femininas no clube e incentivadora da Travessia Rio-Santos de 1932. O Troféu Tropon (1900), o primeiro da história do clube, cujo nome é de uma marca de tônico muscular da época.
Outros itens podem ser admirados pelos fãs no museu: collant da ginasta Rebeca Andrade, maior medalhista olímpica do Brasil, da época em que era juvenil. Sapatilha da Érica Lopes, a Gazela Negra, bicampeã carioca e do Troféu Brasil, além de recordista sul-americana na década de 60. O manto do Adílio e do Nunes, ambos de 1981.
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Segundo Desirree, o acervo está em constante atualização. Atualmente, sua equipe mergulha em pesquisas sobre os mantos, desde a evolução dos tecidos como detalhes de histórias relacionadas. Há peças do final do século 19 e inicio do século 20.
— Ao se debruçar em pesquisa sobre um item, também esmiuçamos uma época. E quanto mais pesquisas, mais dados, mais caminhos, mais ideias que retroalimentam o próprio patrimônio — comenta. — Há diferentes formas para olhar um item mas em todos os sentidos é como contar a história do Flamengo. E como a gente sabe que contar a história do Flamengo é contar a história do Brasil…
Dentre os mantos, uma peça chama a atenção: uma camisa listrada em preto e vermelho, feita em espécie de tricot, pesada e cheia de furinhos, da década de 80. E entre as peças de vestuário, uma relíquia: a camisa de José Agostinho Pereira da Cunha, um dos fundadores do clube. Listrada em preto e branco, foi uma doação do neto. Está com alguns furos, mas não podem ser costurados. Diferentemente do que apontam artigos e publicações da época a respeito dos corpos atléticos dos remadores, esta regata é pequena.
Ambas peças, mais delicadas, são armazenados em uma espécie de envelope, desenvolvido após pesquisa de acondicionamento para evitar “micro clima”. Outros mantos, em melhor estado, ficam em cabides, dentro de capas de TNT.
Desirree explica que boa parte do acervo é composta por doações, além de itens acumulados pelo clube. O Departamento de Patrimônio Histórico do Flamengo, “com uma equipe voltada para a pesquisa, com especialistas” foi incorporado à estrutura do clube há cerca de 7 anos. Ela, que comanda o departamento há um ano, conta que em sua gestão, a equipe vem aperfeiçoando métodos de pesquisa assim como maneiras de divulgar as histórias rubro-negras.
Os 130 anos de história do Flamengo: conheça itens do acervo do Patrimônio Histórico do clube
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Instrumentos da Charanga: a primeira torcida organizada do clube. Foto: Gabriel de Paiva/Agência O Globo
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Primeiro troféu: Troféu Tropon (1900) Foto de Gabriel de Paiva/ Agência O Globo
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Camisa oficial, listrada em preto e vermelho e feita em tricot, dos anos 80: pesada. Foto de Gabriel de Paiva/ Agência O Globo
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Collant de Rebeca Andrade, de 2012, quando a ginasta era juvenil. Foto: Gabriel de Paiva/ Agência O Globo
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Álbum de Lydia von Thering: foi percursora em modalidades femininas, praticou remo, vôlei, natação, tênis e esgrima pelo clube; também foi incentivadora da Travessia Rio-Santos, de 1932. Foto: Gabriel de Paiva/ Agência O Globo
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Camisa do século XIX de José Agostinho Pereira da Cunha, o Cunha do remo. Ele é considerado um dos ” pais ” do Flamengo. Foto de Gabriel de Paiva/ Agência O Globo
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Sapatilha de Érica Lopes, a Gazela Negra, bicampeã carioca e do Troféu Brasil, além de recordista sul-americana na década de 60. Foto de Gabriel de Paiva/ Agência O Globo
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Óculos do Buck, do remo: um ícone do Flamengo, como atleta e treinador; comandou o remo do Flamengo de 1963 a 1997, período em que o clube conquistou 30 dos 33 títulos cariocas e nove Troféus Brasil. Foto de Gabriel de Paiva/ Agência O Globo
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Reserva técnica do clube, na Gávea: sala dos troféus. Foto: Gabriel de Paiva/ Agência O Globo
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O manto de Nunes, do Mundial de 1981. Foto de Gabriel de Paiva/ Agência O Globo
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Apenas 1% dos itens que o clube guarda em suas dependências estão no Museu do Flamengo
— Quando um item histórico chega para a gente, todas as áreas vão dialogar com ele. Tanto a de museologia, que inclui a área de gestão deste acervo, quanto a de pesquisa do ponto de vista de conteúdo e de como conservá-lo, e ainda a arquivologia, educação e produção de conteúdo. É um grande ciclo que acontece todos os dias — comenta ela, que afirma que desde a inauguração do museu, o interesse em doações aumentou. — E como o Flamengo tem muitas conquistas, as taças vão chegando e chegando. A gente brinca que essa é uma dificuldade que a gente gosta (risos).
No último ano, o departamento também se dedicou a realizar exposições temporárias para que os itens “possam circular”, como a mostra das Mulheres Rubro Negras e uma homenagem a Adílio. Também é costume destacar objetos que agreguem valor à eventos fora da Gávea. No último final de semana, na Fla Run, a taça da Libertadores foi exibida em área controlada. Não era possível chegar muito perto nem tocá-la.
E para sair da Gávea e chegar ao Aterro, local da corrida, foi acondicionada em um estojo especial e acompanhada por seguranças (incluindo durante a corrida). Não muito longe da área VIP, onde a taça estava em destaque, havia uma fila de flamenguistas para tirar foto com uma réplica, levada por uma torcedor comum.
Desirree fala com satisfação do trabalho de sua equipe e com orgulho ao citar que o departamento criou vínculos com universidades, como a Federal do Estado do Rio de Janeiro e sua Escola de Museologia. A pasta conta com aulas realizadas no Flamengo.
Quando perguntada sobre a maior conquista fora dos gramados, Desirree apontou:
— Alguns dos nossos pesquisadores já estão aqui há muitos anos e são referência nacional e internacional. E quando a gente pensa que estamos formando especialistas, é a máxima de que craque se faz em casa.

