Há dez dias o governo americano anunciava a inclusão de mais 40 itens da pauta de exportação brasileira na lista de isenções da sobretaxa de 40%, o que sugeria que a Casa Branca estaria fazendo um ajuste fino no tarifaço diante dos efeitos sobre a economia americana – o último dado da inflação mostra uma aceleração com a taxa de 2,9%, diz a advogada Carol Monteiro de Carvalho, sócia do Monteiro & Weiss Trade. Ela destaca que os produtos incluídos são, em grande parte, itens que não são produzidos nos EUA, o que reduz riscos para a indústria local, como celulose e ferro-gusa, que ganham maior competitividade no mercado norte-americano. As declarações de Donald Trump e o secretário de Estado americano, Marco Rubio, após a condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro, no entanto, alimentam a expectativa de uma escalada nas sanções contra o Brasil. E novas sanções devem mesmo vir, diz o cientista político Gustavo Macedo, professor do Insper. Para ele, a questão política é apenas uma das variáveis dessa equação, o ponto nevrálgico é a inteligência artificial.
– Na carta de Donald Trump em julho a Lula ameaçando o tarifaço todo mundo deu muita atenção ao primeiro parágrafo sobre o Bolsonaro, mas o mais importante é o último, em que ele fala que está descontente em como o Brasil está regulando as plataformas digitais. E essa é uma questão que pode levar a que essa tensão entre os dois países se estenda por 2026. E a maior dependência do Brasil em relação aos EUA não é a econômica, mas a cultura, no uso de apps e redes – pondera Macedo.
Metais raros e energia são alguns dos pontos de interesse de Estados Unidos e China no Brasil quando se fala em IA. A instalação de um data center do TikTok no Nordeste brasileiro preocupa os EUA, que vão precisar expandir suas bases para outros locais com mais disponibilidade de energia, diz o cientista político. Sob a mira das duas potências, o Brasil tem uma missão difícil de construir sua soberania digital sem ferir nenhum dos dois extremos.
– Os governos brasileiros acordaram tardiamente para a necessidade de regulação e de construção de uma soberania digital. Em nenhum outro país industrializado do G20 há essa confusão de apps nos celulares de seus cidadãos, com aplicativos das mais diferentes nacionalidades. Atrasado, o governo agora tem adotado uma estratégia oportuna – como foi o debate sobre a adultização da criança – para avançar na regulação com o apoio de esquerda e direita e sem parecer uma reação a Trump. Há uma orquestração entre Executivo, Legislativo e Judiciário nesse sentido, o que mostra um amadurecimento.
Macedo pontua que o Brasil, entre os países fundadores do Brics, é o único em que a mobilização da opinião pública pode mudar os rumos da política, já que estamos numa democracia, em que o sistema eleitoral funciona. Por isso, a retórica americana contra o Brasil parece mais persistente. O professor do Insper destaca ainda o poder das redes sociais, dos algoritmos, em diversos eventos mundo afora, desde a primeira eleição de Trump, passando pelo Brexit, a conflitos na África até no crescimento do bolsonarismo no Brasil.
– As placas tectônicas da geopolítica estão se movimentando. Hoje, a inteligência artificial é uma questão discutida por governos e vista como estratégica para as forças armadas em suas projeções de cenário.