A maioria dos municípios brasileiros não tem estrutura adequada para prevenção e resposta a desastres, aponta diagnóstico divulgado pela Confederação Nacional de Municípios (CNM). O levantamento, realizado entre 2024 e 2025 com 2.871 prefeituras, mostra que apenas 12% das cidades têm defesa civil exclusiva e equipada. Em quase metade dos municípios, as funções são acumuladas com outras áreas da administração e, em outras 13%, nenhuma ação de defesa civil é realizada.
O cenário atual revelado pelo relatório mostra que mais de 70% das prefeituras não chegam a gastar R$ 50 mil mensais com defesa civil, valor que cobre basicamente salários e despesas mínimas. Quase 40% sequer têm dotação orçamentária específica na Lei Orçamentária Anual, e 65% ainda não instituíram um fundo municipal para a área.
Para o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski, o problema tem origem na capacidade fiscal limitada dos pequenos municípios e na falta de recursos federais. “A grande maioria dos Municípios brasileiro, quase 90%, possui menos de 50 mil habitantes, o que influencia na capacidade de arrecadação. Soma-se a este fato a completa ausência de recursos federais para a estruturação das defesas civis municipais.”
Segundo Ziulkoski, a falta de apoio torna difícil manter equipes preparadas e atuação contínua. “Os gastos mensais exigem infraestrutura adequada. Sem apoio e integração com os demais entes federativos, sua continuidade torna-se muito mais difícil”, afirma.
A solução, segundo ele, passa por articulação federativa e cumprimento da Lei 12.608/2012, que distribui entre União, estados e municípios a responsabilidade pela redução de riscos. “Caso contrário, as ações locais continuarão a ser insuficientes diante da complexidade e dos altos custos”, diz.
O levantamento também revela que apenas 14% dos municípios estruturaram Núcleos Comunitários de Proteção e Defesa Civil (Nupdecs), enquanto 43% não contam com voluntários organizados — 37% planejam criar esses núcleos. A baixa cooperação regional também é evidente: apenas 15% participam de consórcios intermunicipais.
Falta integração
Além das limitações institucionais, eventos climáticos extremos têm se intensificado. Para o ecólogo e professor da UFRG Marcelo Dutra, estiagens prolongadas no Sul, ligadas ao fenômeno La Niña, e chuvas volumosas associadas ao El Niño configuram um padrão que se repete com maior intensidade. “Períodos de tempo muito seco têm causado prejuízos econômicos há muito tempo. Assim como eventos com chuvas muito intensas têm se tornado mais frequentes”, afirma. Dutra ressalta, ainda, que fenômenos recentes, como ventos ciclônicos, passaram a ocorrer com mais força e frequência, acompanhados de granizo e descargas elétricas.
O pesquisador aponta que a fragilidade urbana está diretamente ligada à baixa cultura de risco e ao deficit de planejamento. “Nós, infelizmente, ainda não estamos lidando com cidades preparadas. Não se tem bons instrumentos de planejamento adequados a este novo momento climático”, diz. Para ele, a agenda de qualquer administração deve priorizar prevenção e adaptação, ações que demandam infraestrutura e financiamento. Sem isso, “nós vamos continuar gastando com as perdas”.
Dutra destaca que municípios precisam identificar vulnerabilidades, independentemente do tamanho ou da renda. A atualização de planos diretores e a revisão de instrumentos de planejamento são passos essenciais. No entanto, ele observa que iniciativas estaduais nem sempre se conectam às políticas locais, como no caso do Plano Rio Grande, após as enchentes de 2024. “Ele se comunica muito pouco com os municípios. Falhamos por falta de conexão.”
O professor também defende o uso de tecnologias disponíveis, como radares, monitoramento em tempo real e redes de cooperação. “Isso tudo serve para compreender o cenário e alertar a população. Mas não adianta alertar se continuamos desprotegidos”, completa.
A percepção é compartilhada pelo mestre em planejamento urbano John Fernando de Farias Wurdig, que reforça o papel central do plano diretor como instrumento obrigatório, inclusive para cidades com áreas suscetíveis a inundações e deslizamentos. “O município precisa conhecer o seu território. Com o plano diretor, terá um diagnóstico que irá identificar áreas de risco e estabelecer objetivos e indicadores para trabalhar a adaptação”, explica.
*Estagiário sob a supervisão de Vinicius Doria

