Carta ao futuro da medicina

por Assessoria de Imprensa


Há uma crise silenciosa na medicina contemporânea. Não é falta de tecnologia nem de recursos, mas de virtude. Vivemos cercados de inteligência artificial, exames de precisão e protocolos que prometem decisões perfeitas. Ainda assim, cresce o vazio entre o médico e o paciente. O progresso científico nunca foi tão grande e, paradoxalmente, nunca estivemos tão carentes de humanidade.

O médico que o ser humano merece é, antes de tudo, estudioso. A técnica salva vidas, e o conhecimento é um dever moral. Mas erra quem acredita que basta saber. A medicina é feita também de escuta, de presença, de silêncio que conforta. O conhecimento sem empatia transforma o cuidado em procedimento. É preciso saber, mas também sentir. Ser médico é equilibrar a objetividade da ciência com a ternura do olhar. É perceber quando a dor do outro precisa mais de uma palavra acolhedora do que de um exame adicional.

A medicina baseada em evidências é o alicerce da boa prática. Ela representa a vitória da razão sobre o improviso e da ciência sobre o empirismo. Decidir com base em evidências é um ato de respeito ao paciente, pois significa oferecer o melhor que o conhecimento humano já comprovou. No entanto, cabe ao médico a tarefa de interpretar e contextualizar essas evidências, aplicando-as à realidade individual de quem está à sua frente. Nenhuma diretriz substitui o julgamento que nasce da experiência e da compaixão. O bom médico é aquele que domina a ciência e, ao mesmo tempo, enxerga o ser humano por trás dos números.

Também é tempo de nos libertarmos dos abusos da indústria farmacêutica e das condutas antiéticas que, em nome do lucro, ameaçam a essência do cuidar. A indústria é parte importante do avanço médico, mas não pode ocupar o lugar do juízo profissional. As decisões clínicas devem nascer da ciência, não da pressão. Ética e independência são virtudes que protegem o paciente e preservam a alma de quem cuida. Um médico não deve vender convicções; deve sustentá-las com base em evidências, integridade e consciência.

O bom médico respeita as crenças e a fé do paciente, sem impor as suas. Entende que a espiritualidade é um refúgio legítimo diante da dor e que ciência e fé não se anulam. Também compreende que a família busca clareza e segurança, não promessas vazias. Por isso, o médico precisa ser tecnicamente impecável. Falar com dados, mas com delicadeza. Explicar sem pressa, traduzir sem arrogância, conduzir sem dominar. Uma boa decisão é fruto de conhecimento e empatia, de técnica e escuta. É o diálogo entre o que a ciência comprova e o que o coração entende.

Ser médico é cuidar de todos, não apenas de um grupo seleto. É ter compromisso com o sistema público, com os que mais precisam. É compreender que o sucesso financeiro deve ser consequência, nunca propósito. O verdadeiro reconhecimento vem das vidas salvas, dos sofrimentos amenizados e das mãos que voltam a apertar a sua em gratidão silenciosa.

A medicina exige coragem para errar tentando acertar. Exige humildade para dizer “não sei”. Equilíbrio entre o raciocínio rápido e o coração calmo. E atualização constante. O bom médico se recicla em conhecimento, participa de congressos e simpósios, lê as revistas científicas reconhecidas e se mantém atento às inovações.

Após 25 anos exercendo a medicina, recomendo que ninguém escolha essa profissão por pressão familiar ou status social. A medicina não é caminho para fama nem para riqueza. É missão de amor, renúncia e fé. Só deve segui-la quem estiver pronto para servir, para estudar até o último dia de vida, para enfrentar a dor do outro sem se endurecer e para seguir acreditando na beleza de cada gesto de cuidado.

A medicina é, antes de tudo, um ato de amor em estado científico. É o encontro entre o conhecimento e a compaixão. Quando exercida com verdade, cura o corpo e também o mundo à sua volta.



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