O imbróglio entre as assessorias de corrida e a Urbia, concessionária que administra o Parque Ibirapuera, em São Paulo, avançou: “surgiu uma abertura” para o entendimento entre as partes. Em uma reunião recente, a Associação de Treinadores de Corrida de São Paulo (ATC-SP) entregou à Urbia uma revisão do Termo de Adesão do parque com sugestões de mudanças.
Desde janeiro, a Urbia cobra taxa das assessorias de corrida, treinadores e equipes esportivas que dão aulas no local para mais de cinco pessoas simultaneamente. Mas, segundo a ATC-SP, as assessorias de corrida não haviam discutido os termos desse contrato.
No Rio, aulas em espaços públicos são permitidas por meio de obtenção de alvará pelos professores. O documento tem validade de um ano (o valor da taxa é de R$ 365,43).
— O que antes estava muito difícil, hoje, depois da última conversa, entendemos que há uma abertura, um avanço. O porquê desta mudança radical, de uma hora para outra, a gente não sabe. Com um contrato mais justo, creio que em breve a gente consiga resolver tudo isso — opina Douglas de Melo, presidente da ATC-SP, em entrevista ao GLOBO.
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Atualmente, segundo a Urbia, apenas oito assessorias pagam a taxa — são assessorias de corrida, ioga e funcional. Essas empresas se voluntariaram a pagar, informando quantos alunos possuem. O valor é de até R$ 10 por aluno, dependendo da quantidade dos mesmos. Quanto mais aluno, maior o desconto. Atualmente, o maior valor recebido pela Urbia é R$ 810 (entre 80 e 100 alunos).
Outras 60 assessorias foram mapeadas pela Urbia e recebem boletos de cobrança — mas não pagam. A Urbia acredita que este número pode chegar a 150.
Segundo a empresa, o mapeamento é feito por meio de imagens de câmeras de segurança e pela equipe de segurança do parque. E as assessorias que não cobram mensalidade de seus alunos não pagarão taxas.
Douglas explica que a ATC-SP demorou para enviar as sugestões porque pediu acesso ao Termo de Adesão e Regulamento do parque e a Urbia demorou meses para enviá-los.
— Após o recebimento, devolvemos com as observações em uma semana. O texto também precisa proteger os treinadores que estão no parque. E em paralelo, o Ministério Público está avaliando se a cobrança é legal ou não — explicou Douglas, que afirma que independentemente do andamento do caso no MP, os treinadores querem que “as coisas se acertem”. — Nunca fomos contra um regramento nem contra uma forma de contribuição ao parque. Mudanças no texto eram necessárias porque a gente não ia conseguir cumprir várias cláusulas e em um ano a gente não poderia estar no parque.
Samuel Lloyd, diretor comercial da Urbia, afirmou ao GLOBO que os pontos levantados pela ATC são pertinentes e que estão perto de um acordo.
— Eles fizeram alguns pedidos de mudanças no Termo de Adesão que são fáceis de serem inseridas e também atualizações no Regulamento do parque. A conversa é muito amigável — declarou Samuel.
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Cobrança é alvo de investigação
Este “entendimento” entre Urbia e ATC-SP, no entanto, não significa que as assessorias de corrida e treinadores passarão a pagar as taxas imediatamente.
Na opinião da ATC-SP, será necessário aguardar o veredito da Justiça. É que essas cobranças são alvo de um inquérito do Ministério Público, apesar de a concessionária afirmar que estão previstas no contrato de concessão.
— O Ministério Público diz que a cobrança de taxa é proibida. Existem três processos na Justiça correndo contra três assessorias (movidos pela Urbia, um deles com vitória para a concessionária). Queremos esperar o parecer técnico do Ministério Público antes. É preciso deste entendimento primeiro. E se a cobrança for legal e se temos um Termo de Adesão justo, não vemos problema em pagar — explicou Douglas, que também foi orientado pelos advogados da entidade sobre a “ilegalidade da cobrança” — Segundo despacho do promotor, a Urbia está loteando o parque e se as assessorias contribuírem com as taxas, estarão sendo coniventes.
O promotor Silvio Marques está prestes a concluir esta investigação e o caso deve culminar com uma ação na Justiça. Silvio afirma que a Urbia “super explora” o parque e que o MP pode pedir o cancelamento do contrato de concessão e cobrar dano moral coletivo.
— O parque está quase um centro comercial — alerta o promotor, para quem a concessão “foi mal feita” — Parque, assim como rios e praças, são bens de uso comum da população. Está no código civil, é questão constitucional. O município quis se livrar do parque porque não tinha gente competente para tocá-lo. Mas passaram para a iniciativa privada de forma mal feita. — declara o promotor ao GLOBO.
Segundo ele, a investigação apura o excesso de cobranças por serviços privados e a exposição de marcas dentro do Parque Ibirapuera.
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O MP também questiona o excesso de shows e festivais privados que tem limitado o acesso do público às áreas e afugentado os animais que estão migrando para as casas vizinhas.
Lembrou ainda que atividades culturais e serviços específicos, como vestiários, lockers e o programa esportivo “Corre no Ibira” (a assessoria de corrida criada pela Urbia), possuem custos adicionais.
— Temos um inquérito com base na investigação da minha promotoria, mas existem outros como o do Meio Ambiente, por exemplo — comenta Silvio. — A Urbia se comporta como se fosse dona do parque quando é uma mera zeladora.
Em relação às assessorias, o promotor explicou:
— As assessorias que estão pagando taxas pagam porque querem. Não deveriam pagar nada. O caso delas nem é um grande problema. O problema é o conjunto da obra. — esclarece o promotor. — Se não estiverem atrapalhando ninguém, não vejo problema. A pessoa que paga a assessoria é cidadã e pode usar o parque. O que não pode é ter direito a alguma exclusividade, reserva de espaço ou, por exemplo, levar 200 alunos ao local.
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Samuel explica que qualquer atividade comercial dentro do parque é de exclusividade da concessionária. E que as assessorias esportivas “são empresas, estruturadas, uniformizadas, muitas têm patrocínio”.
— Há uma profusão de empresas consolidadas que utilizam o Parque do Ibirapuera como centro de treinamento. Essas empresas têm em média mais de 30 alunos, cobram em média mensalidades de R$ 300 para usar um espaço público. E a concessão do Ibirapuera garante à concessionária a exclusividade de qualquer atividade de prestação de serviço ou qualquer atividade comercial dentro deste território — explicou Samuel.
Disse que nesses cincos anos de concessão foram investidos R$ 300 milhões, “dinheiro privado, sem incentivo fiscal”. Afirmou que o custeio do Parque do Ibirapuera no ano passado foi de cerca de R$ 90 milhões. Ele afirma que a Prefeitura gastava R$ 25 milhões/ano.
— Todas as atividades comerciais somadas dão cerca de R$ 100 milhões e ajudam a pagar a conta. Vale lembrar que a gente ainda paga o financiamento dos empréstimos para o investimento de R$ 300 milhões (se encerram em 2040). Nossa operação inteira ainda está no vermelho. É um projeto em fase de maturação.
Samuel explica que todos os projetos foram enviados para a Prefeitura, aos três órgãos de tombamento (municipal, estadual e federal) e que os planos de intervenções foram aprovados. Entre eles, um antigo canil da Prefeitura que virou um restaurante. Uma casa abandonada, que era base da Guarda Civil Metropolitana, foi convertida em um espaço de marca. E um restaurante novo foi construído.
Ele observa ainda que todos os pontos de venda de produtos (vendedores autônomos) já existiam. E que estão sendo reduzidos. Segundo ele, eram 169 e agora são 120
— A questão é que agora não parecem camelôs improvisados. Saíram da economia informal e hoje estão na economia formal e com merchandising melhorado. É impactante visualmente falando, talvez por isso cause impressão contrária.
Dentre as melhorias, destacou os banheiros, reformados e com limpeza em tempo integral.
— Tem sempre papel, sabonete. O banheiro está cheiroso e organizado. Infelizmente essa não é a realidade de outros parques municipais — fala Samuel. — E a porcentagem do que as assessorias pagarão em relação ao total é mínima, pode chegar a menos de 1% do custo do parque, cerca de R$ 400 mil/ano. É uma contribuição mesmo, basicamente não cobre o custo do banheiro no ano. Com limpeza e pessoal esse valor é de R$ 20 milhões/ano.
E sobre o possível cancelamento do contrato de concessão, ele disse:
— Temos o maior respeito pelo Ministério Público, uma instituição necessária. Quando se faz um recorte do MP, chegamos ao promotor Silvio Marques, que não é o MP, é o promotor. Ele vive em um mundo paralelo. Entendo que esse promotor tem uma causa pessoal. Inclusive já o notificamos porque está causando danos reputacionais à empresa.

