Aldeia Lapetanha (RO) — Às vésperas da 30ª Conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Mudança do Clima (COP 30), que será realizada em Belém, no início de novembro, a voz dos povos da floresta reforça o debate sobre o futuro da Amazônia. Um dos principais nomes dessa luta, o líder indígena Almir Suruí, do povo Paiter Suruí, desembarcou, ontem (5/10), em Brasília, com uma pauta que mescla educação, sustentabilidade e governança territorial.
Almir, que assumiu a liderança de seu povo ainda jovem, na década de 1970, se reúne nesta terça-feira (7) com o ministro da Educação, Camilo Santana, para discutir o fortalecimento da educação indígena. Ele pretende solicitar apoio financeiro e técnico para estruturar políticas pedagógicas voltadas às escolas de sua comunidade.
“Vamos pedir apoio para estruturar as escolas do nosso povo, com livros, profissionais e recursos. Queremos condições para formar nossos jovens com base em nossa cultura e em nossos valores”, além de profissionais qualificados”, afirmou o líder ao Correio. Ele acompanha a rotina da comunidade diretamente na aldeia 7 de Setembro.
Além do encontro com o ministro, Almir terá reuniões com representantes do Banco do Brasil e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), com o objetivo de atrair investimentos para projetos sustentáveis em seu território, como a produção de castanha, café, chocolate e reflorestamento.
Diálogo e autonomia
Com 56 anos de contato com a sociedade não indígena, o povo Paiter Suruí vive em 40 aldeias distribuídas por 248 mil hectares em Rondônia. Atualmente, são cerca de 1.600 pessoas, a maioria jovens.
Almir destacou que, após o primeiro contato, a população indígena caiu drasticamente de 5 mil para 300 pessoas, em razão de doenças e impactos do desmatamento. Hoje, vê na juventude a esperança de continuidade: “Minha missão como líder é preparar os jovens. Eles são o futuro e precisam compreender o valor da floresta e do conhecimento ancestral que ela abriga.”
O cacique disse ainda que não é contra o desenvolvimento econômico, mas defende que ele ocorra sem destruição ambiental.
“Nós não somos contra o desenvolvimento, mas não concordamos com os impactos. A floresta não é inimiga do agro; é sua aliada. Se pensarmos juntos, podemos construir um modelo que atenda a todos”, afirmou.
O “Plano 50 anos” e o combate à ilegalidade
Desde os anos 2000, o povo Paiter Suruí desenvolve o chamado Plano 50 Anos, um projeto de gestão territorial e sustentabilidade que busca equilibrar proteção ambiental e geração de renda. A iniciativa já resultou no primeiro projeto indígena de carbono certificado internacionalmente, e agora passa por atualização.
“Quando implementamos o plano, mostramos que é possível dizer não à ilegalidade e viver com autonomia. Mas o grande desafio é que a ilegalidade ainda é mais fácil do que o que é planejado”, relatou Almir, que chegou a viver sob proteção da Força Nacional por mais de um ano após enfrentar madeireiros.
Com apoio de instituições como o WWF-Brasil, o território Paiter Suruí avança na instalação de uma biofábrica de chocolate e na retomada de projetos de carbono e turismo sustentável. “Queremos provar que é possível gerar emprego e renda dentro de uma terra indígena de forma planejada e responsável”, afirmou o líder indígena.
Expectativas para a COP 30
A poucos meses da realização da COP 30, o cacique Suruí demonstra otimismo e cautela. Para ele, o evento deve ir além do simbolismo de ocorrer na Amazônia e precisa resultar em compromissos concretos de financiamento e governança ambiental.
“A COP 30 não pode ser apenas mais uma. É uma necessidade urgente de o mundo agir para combater as mudanças climáticas. Não se trata só do Brasil — o que acontece aqui afeta a outros países. Se não houver diálogo, não chegaremos a lugar nenhum”, defendeu.
O líder está tentando marcar uma audiência com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), para apresentar o modelo de governança territorial do povo Paiter Suruí, e defender a criação de políticas públicas permanentes voltadas aos povos da floresta. “Queremos mostrar ao governo brasileiro — seja qual for — que respeitar a governança indígena é essencial. Sem isso, a ilegalidade toma conta e o território perde suas riquezas.”
Necessidade de diálogo
Em seu discurso, Almir defende a necessidade de diálogo, não apenas para o Brasil. “A extrema direita e a extrema esquerda precisam conversar. Se não houver diálogo, não vamos parar em lugar nenhum. Esse é o risco que o país corre hoje”, disse.
A mensagem evidencia um chamado à conciliação e ao equilíbrio, princípios que o líder indígena acredita serem indispensáveis para a preservação da Amazônia e para o futuro das próximas gerações.
Com a COP 30 cada vez mais próxima, Almir Suruí reforça que proteger a floresta não é apenas uma causa indígena — é uma missão coletiva. “O dia que o Brasil tomou independência, nós perdemos a nossa. Agora, queremos reconstruir juntos a verdadeira independência da floresta e de quem vive dela.”
Um líder reconhecido internacionalmente
A trajetória de Almir Suruí transcende as fronteiras do território indígena. Por seu trabalho em defesa da floresta e dos direitos dos povos originários, o líder já recebeu o Prêmio Herói da Floresta, concedido pela ONU, o Prêmio de Liderança da Bianca Jagger Human Rights Foundation e, em 2022, o Prêmio United Earth Amazônia – Nobel Verde.
Almir também é fundador e ex-presidente da Associação Metareilá do Povo Indígena Paiter Suruí, e parceiro da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, com a qual desenvolveu metodologias de diagnósticos etnoambientais.
Foi ele quem idealizou o Projeto de Carbono Suruí, primeiro do gênero no mundo com certificação internacional, e o Projeto Pamine – Renascer da Floresta, voltado ao reflorestamento de áreas degradadas. Agora, lidera a criação da primeira agência indígena de ecoturismo da Amazônia, o Projeto Yabnaby – Espaço Turístico Paiter Suruí, que pretende unir turismo, cultura e conservação ambiental.
*A jornalista viajou a convite do WWF Brasil
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