alta do ouro agrava deficiência do ICMBio

por Assessoria de Imprensa


Por Cristina Ávila, especial para o Correio — “Na verdade, o Riozinho está hoje só uma tira de mato”, contou-me um dos ribeirinhos que acabou se escondendo na semana passada nas matas por conta de ameaças, no sudoeste do Pará. “O resto é trabalho de fazendeiro, as pessoas botando colono e loteando, grilando terra. Essa é outra questão bem complicada. O pessoal atravessa a Flona (Floresta Nacional do Trairão) está dentro da reserva, daqui a pouco, os caras chegam e botam os moradores pra fora. Um tempo desses fui ao ICMBio, com a gestora e expliquei sobre isso”. Segundo ele, a reserva também está sendo invadida por garimpeiros, no rio e em grotas. “No Riozinho tem uma tal grota da Aurora, nesse lugar chamado Fortaleza, a grota é tipo um igarapé. Teve época que chegou a morrer peixe, jacaré, por contaminação. Agora já estão do outro lado, um garimpo chamado Pesquisa. Hoje não se criam currutelas (acampamentos estruturados), trabalham escondido por causa do ICMBio, com retroescavadeiras. Está bem pior mesmo. A água, quando o rio seca no verão, fica verde, da cor da folha do mato”.

Entre as 11 unidades de conservação (UCs) da Terra do Meio, administradas pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), três são reservas extrativistas — Riozinho do Anfrísio, Rio Xingu e Rio Iriri — heranças da luta de Chico Mendes, seringueiro do Acre que as idealizou para proteção ambiental de uso sustentável da natureza, ou seja, admitem moradores e suas atividades de extrativismo e agricultura familiar, desde que haja respeito à biodiversidade. O termo que denomina a região não é uma delimitação oficial, e é usado em projetos governamentais e não governamentais e pelos próprios indígenas e ribeirinhos de acordo com situações específicas, podendo incluir ou não todas essas UCs e TIs.

“A gente tem notícias dos alertas monitorados pelo governo federal de uma explosão de alertas de garimpos justamente nesta região de interflúvio do Tapajós com o Xingu”, afirma a coordenadora de Proteção Territorial do Programa Xingu, do ISA, Luísa Molina. “Durante o primeiro semestre de 2025, foi uma consternação dos beiradeiros em relação à rapidez com que o garimpo estava se expandindo ali”, soletra a antropóloga, ao se referir ao Pesquisa. “Soubemos do Ministério Público Federal e do próprio ICMBio que as operações que estavam acontecendo, principalmente no Pesquisa, não conseguiram chegar, de fato, na região de modo incisivo por problemas logísticos. A outra coisa é que o ICMBio está com esforços concentrados na Estação Ecológica Terra do Meio. Eles falaram com todas as letras, ainda que o Riozinho esteja nessa situação crítica. Falta gente, segundo eles”.


Alta do ouro agrava deficiência do ICMBio

Alta do ouro agrava deficiência do ICMBio
(foto: Cristina Avila Esp.CB/DA Press.)

A analista de Geoprocessamento do ISA, Thaise Rodrigues, afirma que a atividade vem se intensificando nos últimos dois anos no Riozinho e há, também, “enormes garimpos na Floresta Nacional de Altamira, na Terra Indígena Curuaia, Floresta Estadual do Iriri, inclusive reativados este ano com novos focos que não existiam antes”. Ela acrescenta que também foi identificado novo foco na Resex Terra do Meio. Há, ainda, na Terra Indígena Trincheira/Bacajá, “que é antigo e vive sendo reativado”. Segundo Luísa Molina, as pessoas estavam angustiadas, e o problema cresce ainda com os atuais preços do ouro em alta no mercado internacional. “O Pesquisa veio nessa esteira. Ela revelou que ribeirinhos ouvidos em maio alertaram que se não houver fiscalização, de fato, haverá moradores que poderão aceitar trabalho nos garimpos.

Na floresta rica, vida de extrema pobreza

“A gente pisa em terra rica e está na extrema pobreza. Aqui ninguém tem a dignidade de um banheiro e nem água potável pra beber”, reclama Chiquinha Rodrigues Lima, mulher de 43 anos, nascida e criada na Estação Ecológica da Terra do Meio (Esec), um dos pontos mais longínquos de quem sai da cidade de Altamira, chegando pelo rio Iriri ainda no Pará, uns 800 km. Segundo se diz por lá, esse é o maior município do mundo. A casa dela fica em Altamira, mas pegando uma estrada de terra que desemboca no rio, ela chega por uns 300 km na também paraense zona urbana de São Félix do Xingu.

 


Alta do ouro agrava deficiência do ICMBio

Chiquinha quer Bolsa Verde: “somos funcionários sem salário”
(foto: Cristina Avila Esp.CB/DA Press)

Em dezenas de moradas onde estive para fazer esta matéria, em apenas uma havia banheiro dentro de casa, em todas as outras se usava o mato para fazer cocô e xixi. Na época de chuva, as cheias do rio em algumas localidades chegavam nos buracos usados como sanitários. Isso significa que os dejetos são misturados ao rio, onde ribeirinhos e indígenas usam embarcações para pegar a água de beber o mais longe possível das margens. Alguns têm motores pra puxar a água. A única diferença em ter motor é a facilidade de levar a água pra dentro de casa, mas é a mesma água. Nesses períodos de chuvas, é possível conseguir água sem contaminação em igarapés ou tentar tratamento doméstico, mas não é uma garantia. Em igarapés também ocorrem as contaminações pelos rejeitos de garimpos.

Embora a Esec seja uma unidade de conservação de proteção integral com visitas restritas a fins educativos e a pesquisadores, Chiquinha diz que sua família e cerca de outras 15 são admitidas como moradoras pelo ICMBio por serem nascidas e viverem ali há várias gerações no mesmo lugar. Mas têm muitas regras a cumprir, há restrições até mesmo de entrada de insumos importantes. “Melhor assim, pois pelo menos diminuiu o tráfico de drogas”, me disse alguém que eu prefiro deixar no anonimato.

O órgão ambiental federal montou uma base de fiscalização na Estação Ecológica, nas proximidades do Rio Curuá na foz do Iriri. Mesmo assim, a pressão de invasores persiste, com focos de desmatamentos, queimadas, grilagens, que penetram por diversas trilhas abertas nas unidades de conservação. Nesta parte do rio, durante o meu trajeto, de carona com padres de Altamira que viajavam para fazer casamentos e batizados — encontramos uma balsa de garimpo de ouro. Os padres imediatamente me advertiram: “Nada de fotos”. É preciso muita cautela para não levantar suspeitas de criminosos. Todos na Terra do Meio sabem que navegar no Iriri pode ser um risco de vida, e quanto mais se sobe o rio mais perigos podem surgir. Nas derrubadas de matas e onde há exploração de minérios, pior ainda.

“Somos funcionários do governo sem salário, e vivemos como índios”, exclama Chiquinha, falando que aprenderam com os indígenas a sobreviver, nas décadas de convivência na floresta. “Meu sonho é ter leite na mesa. Carne de gado é luxo”. Ela ressalta que a presença dos ribeirinhos contribui para evitar invasores e a depredação do meio ambiente, e diz que deveriam receber incentivos como o Bolsa Verde, programa do governo federal que realiza pagamentos por serviços ambientais a famílias que vivem em territórios tradicionais no país.

 

  • Alta do ouro agrava deficiência do ICMBio

    Alta do ouro agrava deficiência do ICMBio
    Foto: Cristina Avila Esp.CB/DA Press.


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    Chiquinha quer Bolsa Verde: “somos funcionários sem salário”
    Foto: Cristina Avila Esp.CB/DA Press


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