A CPI do INSS vem produzindo momentos rumorosos, com a prisão em flagrante de presidentes de associações investigadas e denúncias de ameaças de morte. Em meio a tudo isso, porém, dois personagens sensíveis permanecem blindados – um irmão do presidente Lula e um ex-assessor de Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), que comanda o Senado Federal. Mas, de acordo com a oposição, que em tese detém a presidência da CPI, a relatoria e a maioria dos votos, a blindagem se deu por meio de uma aliança entre o governo Lula e o dirigente da Casa.
Graças a uma articulação entre Alcolumbre e a base lulista, foram derrubados os requerimentos pela quebra de sigilo bancário e fiscal de Paulo Boudens, ex-chefe de gabinete de Alcolumbre, e pela convocação de José Ferreira da Silva, o Frei Chico, irmão de Lula.
Boudens entrou na mira da CPI após um relatório do Coaf apontar que ele recebeu R$ 3 milhões da Arpar Participações – que, segundo a Polícia Federal (PF), foi usada como conta de passagem pelo empresário Antônio Carlos Camilo Antunes, o “Careca do INSS”, uma das lideranças do esquema de descontos ilegais nos benefícios de aposentados.
Já Frei Chico é vice-presidente do Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos (Sindnapi), um dos pivôs do INSS. Segundo o Supremo Tribunal Federal (STF), o Sindnapi recebeu R$ 389 milhões entre 2021 e 2025 em descontos indevidos. Os valores foram bloqueados no mês passado pelo ministro André Mendonça.
Desde antes da instauração da CPI, o irmão de Lula era um dos personagens mais visados pela oposição.
Em 9 de outubro, a comissão pautou o requerimento apresentado pelo deputado bolsonarista Carlos Jordy (PL-RJ) para quebrar o sigilo de Boudens. O líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (PT-AP), orientou a base do presidente a votar pela derrubada do pedido.
Assim, com o voto dos governistas da CPI, o requerimento foi rejeitado por 17 votos contra 13. Dos 32 integrantes da comissão (16 senadores e 16 deputados), três são claramente mais próximos de Alcolumbre, o que não seria suficiente para impedir a quebra de sigilo.
Na sessão seguinte da CPI, no dia 16 de outubro, a CPI analisou em conjunto cinco requerimentos para a convocação de Frei Chico. Todos foram rejeitados sumariamente com um placar ainda mais amplo do que o de Boudens: 19 votos contrários a 11 favoráveis à convocação.
No mapeamento feito antes da sessão pelos assessores dos gabinetes da oposição, a análise da convocação de Frei Chico culminaria em um empate de 15 votos a favor e 15 contra. Caberia ao presidente do colegiado, o senador oposicionista Carlos Viana (Podemos-MG), dar o voto de Minerva. Viana já havia classificado como “urgente” a convocação do irmão de Lula.
Porém, quatro integrantes da oposição e de parlamentares inclinados a votar contra o governo foram substituídos e dois não compareceram à votação.
Pelo Senado, Professora Dorinha Seabra Rezende (União Brasil-GO) foi substituída pelo governista Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), que se posicionou contra a convocação de Frei Chico. Já Styvenson Valentim (PSDB-RN) não votou. Ambos são próximos de Alcolumbre, segundo opositores de Lula.
Entre os deputados, a entrada de Átila Lira (PP-PI) e Dagoberto Nogueira (PSDB-MS), ex-PDT, no lugar de Delegado Fábio Costa (PP-AL) e Beto Pereira (PSDB-MS), respectivamente, também renderam ao governo mais dois votos na leitura dos oposicionistas. A ausência de Bruno Farias (Avante-MG) também colaborou para que o quórum diminuísse.
As substituições passam pelo comando das duas Casas e, de acordo com integrantes da CPI ouvidos pela equipe da coluna, ocorreram por meio da atuação decisiva de Davi Alcolumbre.
Nos dois casos, a queda dos requerimentos provocou cizânia entre deputados e senadores na CPI. Houve falas interrompidas, ânimos exaltados e acusações entre governo e oposição.
Na análise da quebra de sigilo contra Paulo Boudens, o autor do pedido, Carlos Jordy, fez referência direta ao presidente do Senado.
“Nós não estamos diante, aqui, de um peixe pequeno. Aliás, é um peixe médio, mas ele pertence a um peixe muito grande. Nós estamos aqui diante de um cidadão, Paulo Augusto de Araújo Boudens, que era chefe de gabinete de Davi Alcolumbre, que é o presidente do Senado, presidente do Congresso Nacional”, disparou.
“E esse cidadão, vale destacar, quando teve aquela denúncia de rachadinha de 2 milhões no gabinete de Alcolumbre, matou no peito e disse: ‘Alcolumbre não sabia de nada; é tudo comigo’. Aí, Alcolumbre exonerou o cara. E aí? O que é que aconteceu? Ele foi exonerado? Não! Ele caiu para cima. Agora é consultor político no Senado, ganhando R$31 mil”.
Já a fala contra a quebra de sigilo de Paulo Boudens coube à senadora Eliziane Gama (PSD-MA), que deixou claro que o governo era contra a quebra de sigilo por causa de Alcolumbre.
“O senhor Paulo Boudens recebeu um recurso como receberam centenas de outros advogados. Ora, por que se pinça apenas este senhor aqui para a CPI? E ao pinçar este senhor, fazem-se referências a outras possíveis investigações referentes à sua atuação ainda como integrante do gabinete do presidente Davi Alcolumbre? É claro. É a tentativa de transformar esta Comissão no palco de disputas políticas. E isso não se pode admitir”, afirmou Eliziane.
Na semana seguinte, a senadora do PSD acusou a oposição de buscar a convocação de Frei Chico para atingir Lula.
“A gente percebe claramente uma celeuma, um nervosismo, uma tensão generalizada e um objetivo claro de tentar colar no Governo, especificamente na imagem do presidente Lula, o que a gente está percebendo claramente durante todo o processo de investigação nesta CPI”, provocou, classificando em seguida a posição do irmão de Lula como vice do Sindnapi como “simbólica”.
“Qual outra instituição teve o seu vice-presidente convocado a esta comissão? Qual outra comissão teve, na verdade, a busca de integrantes com posições simbólicas? Nenhuma outra”.
A oposição acusou o golpe. Bia Kicis (PL-DF) associou a rejeição do requerimento contra Boudens à derrubada dos pedidos de convocação de Frei Chico.
“A base do governo precisa parar de blindar aquelas pessoas que são investigadas, ou possíveis investigadas, mas claramente envolvidas nesse escândalo que roubou milhões, bilhões dos aposentados do Brasil, bilhões! E a gente está assistindo aqui blindagem atrás de blindagem”, acusou a deputada bolsonarista.
“Agora, foi o Frei Chico, irmão do Lula”, seguiu. “O vice-presidente do sindicato [Sindnapi] envolvido já foi blindado; Edson Claro, ex-sócio do Careca, blindado aqui pela base do governo; o assessor, também, do Alcolumbre, que recebeu 3 milhões aí também de uma empresa envolvida, blindado pela base do governo”.

