A acusação sobre a existência de uma suposta máfia dos transplantes que teria atuado em Poços de Caldas (MG) chegou a ser alvo de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Congresso Nacional.
O tema é abordado no terceiro episódio de “Caso zero”, podcast do GLOBO que investiga os desdobramentos da morte do menino Paulo Veronesi Pavesi, vítima de um acidente no ano 2000.
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Em abril de 2004, quatro anos depois do acidente, foi instalada a chamada CPI do Tráfico de Órgãos. O caminho trilhado até o Congresso contou com a atuação de uma pessoa desconhecida do público e geral naquela época: Damares Alves.
Damares, que 14 anos depois se tornaria ministra de Direitos Humanos do governo Jair Bolsonaro e hoje é senadora, foi chefe de gabinete do deputado federal Pastor Reinaldo, escolhido para ser relator da CPI.
Foram sete meses de trabalhos da Comissão. Ao todo, 39 deputados participaram da CPI, que tomou depoimentos de 63 pessoas. Os detalhes desse processo podem ser conferidos no podcast, que traz entrevistas com parlamentares que atuaram na CPI e trechos de depoimentos colhidos pela Comissão.
Os três primeiros episódios já estão disponíveis e podem ser ouvidos abaixo. Os outros dois serão lançados nas próximas segundas-feiras. “Caso zero” também pode ser acompanhado nas principais plataformas de áudio, como Apple e Spotify. O episódio 3 também explora o alcance político que o caso ganhou no Congresso Nacional, com a instauração de uma CPI em abril de 2004, quatro anos depois do acidente.
Em 19 de abril de 2000, o menino Paulo Veronesi Pavesi escorregou do parapeito do playground do prédio onde vivia com a família e caiu de uma altura de cerca de 10 metros. Paulinho, como era chamado, foi socorrido no hospital particular Pedro Sanches, onde passou por uma cirurgia no crânio. Apesar das tentativas para salvá-lo, o menino não resistiu e teve morte cerebral, sendo mantido por aparelhos.
Dois dias depois, ele foi encaminhado para a Santa Casa de Poços de Caldas, e os pais autorizaram a doação de seus órgãos. Passados alguns meses, o pai da criança, Paulo Airton Pavesi, recebeu uma cobrança de mais de R$ 11 mil, hoje equivalente a mais de R$ 50 mil, do Pedro Sanches. O hospital se negou a rever o valor e, sem obter o pagamento, pediu a falência da empresa de Pavesi. Ele foi até a Associação Brasileira de Transplante de Órgãos para reclamar da situação, que ganhou o noticiário nacional.
O Ministério Público Federal de Minas passou a investigar e apontou, além da cobrança irregular, a atuação de uma suposta organização criminosa em Poços de Caldas, que lucraria com o transplante ilegal de órgãos, burlando a lista oficial do SUS.
Foram encontradas falhas nos procedimentos de registros de morte e de transplante de órgãos de Paulinho, e os médicos foram acusados de forjar laudos sobre a morte cerebral do menino para retirar seus órgãos. O hospital Pedro Sanches acabou excluído do SUS, e o serviço de transplante, feito pela Santa Casa, foi paralisado e nunca mais retornou à cidade. Na época, o então ministro da Saúde, José Serra, que era pré-candidato a presidente, determinou uma auditoria nos hospitais, e uma CPI foi instaurada no Congresso.
Ao se debruçarem por mais de dois anos sobre milhares de páginas de documentos, Bela e Borges descobriram lacunas e situações polêmicas no caso, como o desaparecimento de provas que poderiam inocentar médicos. Os jornalistas entrevistaram mais de 30 pessoas, incluindo cinco dos seis médicos acusados, que falaram pela primeira vez.
Reportagem, pesquisa e narração de “Caso Zero” são de Bela Megale e André Borges, que também colaboraram com o roteiro de Ives Rosenfeld. A edição e sonorização é de João Guilherme Lacerda, com trilha original de Gabriel Falcão e mixagem de Vinicius Lis. Alexandre Maron, da Ampère Media, é responsável pelo desenvolvimento e coordenação de produção. A produção executiva é de Alan Gripp e André Miranda. E a pesquisa adicional foi feita por Elisa Soupin, com materiais da TV Record, TV Globo, EPTV, g1, TV Câmara e nos jornais Estado de Minas e O Tempo.