A lição do Líbano para Gaza

por Assessoria de Imprensa


Imagine se fosse formado um governo democrático palestino em Gaza, opositor ao Hamas e com enorme apoio internacional, incluindo dos EUA. Imagine se esse governo tivesse um exército treinado pelos americanos. Imagine se forças de paz da ONU e embaixadas de diversos países estivessem presentes no território. Imagine se houvesse aeroporto e porto funcionais. Você diria que a chance de o cessar-fogo ser mantido entre o grupo palestino e Israel seria maior? Talvez, mas haveria boa chance de o conflito seguir, ainda que em menor intensidade. Afinal, o cenário descrito acima é o Líbano.

No ano passado, o Hezbollah e Israel firmaram um acordo de cessar-fogo. O Líbano passou nos meses seguintes a ser governado pelo presidente Joseph Aoun, ex- comandante das Forças Armadas e treinado nos EUA, e pelo premier Nawaf Salam, que antes ocupava o cargo de presidente da Corte Internacional de Haia. Ambos defensores do desarmamento do Hezbollah e da desocupação israelense do Sul do Líbano, onde forças de paz da ONU (Unifil) estão presentes há décadas. Washington e praticamente toda a comunidade internacional apoiam esse governo.

Todo esse cenário positivo foi insuficiente para conseguir convencer o Hezbollah a se desarmar e Israel a se retirar das áreas que ainda ocupa no Sul do Líbano. Um lado culpa o outro. Além disso, os israelenses seguem bombardeando o território libanês, embora em uma escala bem menor do que há um ano atrás e sem alvejar a capital, Beirute. Não há mais guerra. Mas tampouco há paz e não dá para dizer que exista um cessar-fogo. Apesar de improvável, a escalada do conflito não pode ser descartada.

No Oriente Médio, é sempre preciso ter cautela. A queda da ditadura sanguinária de Bashar al-Assad precisava ser celebrada. Mas, como muitos que acompanhavam a guerra na Síria, deixei claro meu ceticismo com a chegada do grupo jihadista Hayett Tahrir al-Sham ao poder em Damasco. Nos meses seguintes, vimos massacres de alauitas, de drusos e ataques a cristãos. A Síria virou uma ditadura jihadista e não uma democracia liberal.

No caso de Gaza, o cenário atual deve ser descrito como um gigantesco avanço em relação ao status quo de duas semanas atrás, antes de Donald Trump deixar de apoiar a limpeza étnica de população palestina. O presidente americano deu uma guinada a favor do acordo defendido pela comunidade internacional há mais de um ano e sempre vetado pelos EUA no Conselho de Segurança da ONU tanto pelo republicano como por seu antecessor democrata, Joe Biden. Graças a essa mudança, não há mais reféns israelenses em Gaza. Todos foram soltos. Isso precisa ser celebrado. Palestinos não são mais mortos nos bombardeios israelenses. Isso também precisa ser celebrado.

Mas o cessar-fogo em Gaza é frágil. A guerra pode ser retomada a qualquer momento. Existe enorme ceticismo e cautela para as próximas etapas. Os maiores obstáculos são a relutância do Hamas em de desarmar e de Israel a se retirar de mais da metade do território palestino, que ainda ocupa. As dificuldades para a manutenção do cessar-fogo existiriam em qualquer circunstância. Foram responsáveis inclusive pelo fracasso do cessar-fogo do começo do ano.

Cabe a Trump e seus aliados na região seguirem engajados para conter os agentes da guerra e fortalecer os agentes da paz. E devem saber que mesmo com todos os pontos do plano sendo implementados, talvez o sucesso não seja total, como não foi no Líbano. Ainda assim, melhor do que uma guerra.



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