O anúncio feito nesta quinta pelo presidente Donald Trump, de que o Cazaquistão irá aderir aos Acordos de Abraão, a princípio tem pouco efeito prático. Afinal, trata-se de um país que já mantém relações diplomáticas com Israel há 33 anos. Portanto, não teria necessidade de aderir a um pacto diplomático lançado em 2020 com o apoio dos EUA justamente para promover a normalização entre o Estado judeu e países árabes.
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Mas na jogada há um movimento mais que simbólico. Na mira estão os dois principais rivais de Washington e que fazem fronteira com o Cazaquistão, China e Rússia. Imprensado entre os dois gigantes, o Cazaquistão busca diversificar parcerias, se aproximando dos EUA. Para o governo americano, é uma oportunidade de fortalecer laços com o maior país da Ásia Central. A região, historicamente área de influência da Rússia, tem a presença cada vez mais forte da China, tanto em termos econômicos quanto políticos.
Não por acaso, foi em Astana, capital do Cazaquistão, que o presidente Xi Jinping, da China, lançou em 2013 a Nova Rota da Seda, o megaprojeto de infraestrutura que tornou-se o carro-chefe da diplomacia econômica de seu governo. Com um território quase cinco vezes maior que o da França, o Cazaquistão tem importância estratégica para a China como uma das principais saídas terrestres do projeto, mas também pelas vastas reservas minerais. O governo Trump está de olho nesses recursos.
O anúncio de que o Cazaquistão irá aderir à iniciativa de paz patrocinada por Washington foi feito durante um encontro na capital americana de líderes do grupo C5+1, plataforma de diálogo dos EUA com cinco países da Ásia Central: Cazaquistão, Quirguistão, Tadjiquistão, Turcomenistão e Uzbequistão. Segundo comunicado do Departamento de Estado americano, a reunião liderada por Trump teve como meta “avançar soluções regionais para desafios globais”. Como se sabe, nenhum desafio geopolítico atual dos EUA exclui a China.
Além de tentar recobrar sua influência na região, abalada pela humilhante retirada do Afeganistão em 2021, os EUA têm um propósito bem concreto na aproximação, que tem pautado boa parte de sua agenda diplomática: alcançar acordos para a obtenção de minerais críticos, essenciais na corrida tecnológica com a China. Só nos primeiros seis meses do atual governo Trump, os EUA já fecharam acordos comerciais com países da Ásia Central num total de US$ 12,4 bilhões.
O que chama a atenção na decisão americana de expandir os Acordos de Abraão para a Ásia Central é a intenção de transformá-lo em algo que vai além de seu objetivo inicial, de normalizar as relações entre Israel e o mundo árabe. Junto com o C5+1, passa a ser mais um mecanismo diplomático destinado a rivalizar com iniciativas lideradas por Pequim e Moscou, especificamente a Organização de Cooperação de Xangai e a Nova Rota da Seda. Em todos os casos, geopolítica e interesses econômicos são inseparáveis.
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Em abril, o serviço geológico do Cazaquistão anunciou a descoberta de grandes depósitos de metais de terras-raras, elementos químicos como cério, lantânio, ítrio e neodímio, que são usados na fabricação de componentes para smartphones e computadores. Caso comprovadas, as reservas fazem do Cazaquistão o país com os maiores depósitos do mundo de terras-raras, somente atrás da China e do Brasil. O governo Trump tem como prioridade de sua política externa assegurar o acesso a minerais críticos, o que dá uma das explicações sobre seu foco na Ásia Central. O outro é o setor de defesa. Como sempre, interessa aos EUA manter acordos de segurança com vizinhos da China e da Rússia.
Segundo o portal de notícias “The Times of Central Asia”, do Quirguistão, o que move os países da região a se aproximarem dos EUA é o estilo transacional do presidente Trump, do qual acreditam que possam obter investimentos necessários para desenvolver suas economias. Diz o portal: “Cada país da Ásia Central está de olho em algo diferente, mas todos compartilham um objetivo: expandir suas opções. Com a Rússia sob sanções e a China aumentando sua influência, a região está preocupada em evitar o excesso de dependência. E os EUA têm algo a provar, depois de ter perdido poder estratégico na Ásia Central desde a saída do Afeganistão”.
Mas na Ásia Central, há mais nuances e riscos no exercício de equilíbrio que tem sido cada vez mais exigido de todos os países em meio à competição entre Pequim e Washington. Na semana passada, o chanceler do Cazaquistão, Yermek Kosherbayev, veio a Pequim para tratar de “uma ampla gama de assuntos de interesse bilateral”, segundo relato do governo cazaque. Em círculos diplomáticos, especula-se que um dos objetivos da visita foi comunicar ao governo chinês de que o país iria aderir à iniciativa de Washington.

