A derrubada dos vetos do presidente Lula ao PL do Licenciamento Ambiental seria absolutamente lesiva aos interesses do país, no sentido mais amplo possível. Há risco ambiental, risco ao patrimônio histórico e também risco econômico. O Brasil pode ser taxado por outros países, especialmente pela Europa, com quem estamos finalizando um acordo agora em dezembro.
Se for derrubado o veto à Licença por Adesão e Compromisso (LAC), isso significa que empreendimentos como Brumadinho e Mariana sequer precisariam de licença prévia, porque são de pequeno porte. E o Cais do Valongo, como alertou a Sociedade de Arqueologia Brasileira, não seria preservado, porque também é de médio porte, portanto basta a autodeclaração do empreendedor, e não teria a fiscalização do IPHAN. Órgãos como Ibama, ICMbio, Funai e IPHAN só serão ouvidos se a empresa quiser, não será mais obrigatório. É facultativo. Segundo os arqueólogos, sítios arqueológicos do Brasil todo estão ameaçados.
São 63 vetos. Teria sido melhor até o veto integral, mas o presidente escolheu os pontos mais graves. É isso que pode ser derrubado hoje pelo Congresso Nacional. Mesmo que a disputa siga depois na Justiça, a lei passa a valer imediatamente. E, nesse intervalo, o meio ambiente já começa a ser destruído.
O Congresso primeiro deixou para depois da COP porque sabia que seria um escândalo fazer isso antes. Agora que as visitas saíram, acham que podem. Só que afetam o que o Brasil defendeu e decidiu na COP 30. Neste momento, o Congresso usa o pretexto de estar irritado com o governo para fazer uma barbaridade como desmontar toda a legislação de proteção ambiental construída em décadas, e as leis de proteção do patrimônio histórico construídas em 90 anos, segundo a SAB.
O Brasil enfrentará barreiras ao comércio de seus países quando os parceiros entenderem que é um país sem o arcabouço ambiental que sempre teve. Os europeus, com quem o Brasil assina o acordo Mercosul-UE agora em dezembro, serão os primeiros.
Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, aponta cinco pontos mais graves que podem ser derrubados hoje:
Primeiro ponto: A Licença por Adesão e Compromisso (LAC), que foi vetada pelo Lula, especialmente na parte que incluía médios empreendimentos. Entram casos como Brumadinho e Mariana, que são classificados como empreendimentos médios em licenciamento. “Com a volta da LAC, eles poderiam obter licença simplesmente preenchendo um formulário na internet, a licença sairia automaticamente. Há até cálculos de técnicos do Ibama de que esse modelo transforma o licenciamento em exceção. Você passa a ter até 90% dos processos ocorrendo por formulário automático”, explica Astrini. Veja o estrago que causaram e o tamanho do risco que precisamos evitar.
Segundo ponto: Os estados poderiam decidir o que precisa ou não de licenciamento tradicional e qual nível de rigor será aplicado. Isso quebra completamente o espírito federativo do processo de licenciamento. Deixa de existir uma regra nacional. Isso cria uma corrida perigosa, quem é mais flexível, quem libera tudo primeiro. E dependendo de quem governa, pode-se autorizar a derrubada de tudo que é área de proteção. “Um rio que atravessa dois ou três estados pode ter exigências totalmente diferentes para empreendimentos que o afetam, um grau de rigor em um estado, outro em outro. Vira um carnaval”, salienta Astrini.
Terceiro ponto: o presidente vetou o trecho que libera o empreendedor de assumir o nexo causal. O empreendedor de uma grande obra tem obrigação de assumir os impactos que sua obra gera. Belo Monte é o exemplo: a usina provocou um fluxo migratório enorme, o que causou uma onda de malária. Exigiu mais equipamentos de saúde, atendimento à população. Hoje, isso entra parcial ou totalmente na conta do empreendimento. “Com a mudança, não entraria mais. Tudo vai para as costas do Estado, pressionando o orçamento público. A obra gera impacto e o Estado paga por ele”.
Quarto ponto: Deixa de ser obrigatório ouvir FUNAI, Ibama, ICMBio e Iphan no processo formal de licenciamento. Com a mudança, vira facultativo. “Ao retirar esses órgãos, você obviamente cria riscos para territórios indígenas, quilombolas e para patrimônio histórico e ambiental”, explica Astrini. Além disso, os arqueólogos apresentaram um argumento muito forte. Se essa lei estivesse em vigor em 2011, o Cais do Valongo não teria sido preservado. A obra poderia ter sido executada sem análise de arqueólogos, historiadores ou órgãos ambientais. E foi justamente aquela obra que revelou um patrimônio histórico de valor incalculável, o local de chegada de quase um milhão de escravizados ao Brasil. Ali está a história viva do país. Sem análise prévia, o Cais do Valongo não seria identificado nem preservado. A obra teria seguido adiante, sem chamar arqueólogo, sem chamar historiador, sem qualquer cuidado.
Quinto ponto: o processo passa a desconsiderar, na análise do licenciamento, terras indígenas que não estejam homologadas. Hoje, cerca de 32% das terras indígenas no país estão em processo de demarcação, são áreas reconhecidas, com processo aberto, mas ainda não homologadas. No modelo proposto, essas comunidades não precisariam sequer ser consultadas. “Essas áreas seriam ignoradas no novo modelo. Isso vai totalmente na contramão do que o Brasil acabou de assumir na COP: no documento final, as terras indígenas foram reconhecidas como fundamentais no combate às mudanças climáticas. São reconhecidas internacionalmente, mas, no licenciamento brasileiro, ficariam de fora, pelo menos em parte”, explica.
Eu ainda adiciono um sexto ponto. Se os vetos forem derrubados, transforma o Cadastro Ambiental Rural (CAR) autodeclarado em algo válido imediatamente, mesmo sem checagem. Hoje, qualquer pessoa pode declarar que uma terra é sua. Mas esse cadastro só vale quando é validado pelo órgão competente.

