Confirmada a expectativa do presidente Lula de assinatura do Acordo Mercosul–União Europeia, com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, até 20 de dezembro, será uma grande vitória da diplomacia brasileira. Uma vitória que teve uma trajetória longa, como lembra a economista Carla Beni, professora da FGV. Afinal, são 20 anos desde o início das negociações. A assinatura, diz a economista, representa um avanço político importante, mas ainda não significa o início da implementação do acordo. Falta a aprovação do Parlamento Europeu e dos legislativos nacionais do Mercosul.
— A assinatura será de um texto provisório, com foco econômico e comercial. O texto completo ainda vai levar muito tempo, porque precisa que pelo menos 15 dos 27 países ratifiquem e que seja aprovado no Parlamento da União Europeia com 50% mais 1. Lógico que, se você pensar que o mundo já espera por isso há mais de 20 anos, é uma evolução — ressalta Carla.
José Niemeyer, professor de Relações Internacionais do Ibmec Rio, lembra que o governo Lula passou nos últimos meses por grandes pressões devido ao tarifaço imposto pelos Estados Unidos aos produtos brasileiros e conseguiu fazer de “um limão, um bar de limonada inteiro”. Sob o comando de Lula, a diplomacia brasileira resistiu à pressão de interferência americana sobre o processo judicial do ex-presidente Jair Bolsonaro, saindo desse confronto sem agravar a crise e fortalecendo a soberania brasileira.
— O governo Lula, nos últimos meses, até por pressões do tarifaço, fez de um limão um bar inteiro de limonada. Ninguém esperava o tarifaço e ele foi muito bem administrado pelo governo Lula. Ele trabalhou bem os recursos e trabalhou muito bem também com Geraldo Alckmin e Fernando Haddad. Alckmin sai fortalecido caso pretenda se manter na vice-presidência em 2026. Agora, se conseguir também a assinatura do acordo Mercosul–União Europeia, serão oito meses deste ano de grandes vitórias para o governo Lula, vitórias difíceis, porque pela primeira vez tivemos um embate com os Estados Unidos desta monta nos 200 anos de relações entre os dois países. E isso vai ser muito utilizado em campanha. O tarifaço envolveu questões de soberania econômica, um tema pouco conhecido pela população, e agora estamos falando sobre defender os interesses econômicos do Brasil, dos empregos e da sociedade brasileira, independentemente da cor ideológica desses grupos — acrescenta Niemeyer.
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O governo brasileiro se fortaleceu nessa crise com os EUA por conduzir a negociação de forma muito técnica, reduzindo a tensão política. Além disso, enquanto a diplomacia buscava caminhos para reverter a taxação americana, o governo e as empresas trabalharam na abertura e ampliação de outros mercados para os produtos brasileiros, o que garantiu que a balança comercial se mantivesse positiva durante toda a crise — o que, por sua vez, apressou o acordo entre União Europeia e Mercosul.
O Mercosul é uma união aduaneira imperfeita, sendo a grande pauta de exportação do bloco formada por produtos brasileiros e argentinos, ressalta Niemeyer. Apesar da importância para o conjunto dos países do continente, diz o professor, o acordo com a União Europeia é mais relevante para o Brasil:
— Vai ser importante para receber investimento europeu no Brasil. Teremos, por exemplo, mais concorrência na área de compras governamentais. Grandes empresas e construtoras europeias poderão se habilitar para compras públicas e começar a atuar no Brasil ou nos países do Mercosul para construir grandes obras aqui. A Europa vai ganhar muito com isso, assim como no setor de serviços econômicos. Agora, os agricultores europeus vão sentir, porque o agronegócio brasileiro entrará com muita força no continente. A Argentina também, mas o Brasil é o grande beneficiado nessa relação União Europeia–Mercosul.
Na avaliação da economista Carla Beni, ainda é muito difícil fazer uma análise definitiva sobre onde o acordo será bom ou ruim:
— Se você pensar sob uma ótica estratégica para a União Europeia, eles vão vender para cá. O que querem vender? Produtos industrializados, carros, máquinas, produtos químicos. Também querem vender vinhos e queijos. Então, para a União Europeia é um grande benefício, mesmo com a questão da França, protecionista e historicamente conhecida por isso. A UE terá uma vantagem muito grande ao poder usar boa parte das nossas reservas de minerais críticos, porque não dá para pensar em evolução tecnológica hoje sem esses minerais. E o Brasil tem a segunda maior reserva de terras raras do mundo. Com isso, eles reduzem a dependência da China — diz a professora da FGV.
Para ela, o Brasil agora precisa tomar uma decisão estratégica que determinará se continuará sendo vendedor de commodities ou se mudará de patamar:
— O que falta para o Brasil é um projeto de país. Porque, se assinarmos esse acordo e novamente não entrarmos com produtos industrializados, continuaremos vendendo commodities e transformando minerais e terras raras em mais commodities. O Brasil precisa decidir se vai continuar perfurando a terra e vendendo mineral bruto ou se vai transformar isso em uma indústria estratégica e se tornar um país do qual os outros passem a depender, sob pena de perdermos mais uma vez o bonde da história. Esses processos nunca contemplam todos; sempre há quem saia descontente — pondera.
O fato é que a assinatura do acordo é mais uma etapa simbólica, mas importante. Quando for assinado em dezembro, ainda haverá um caminho longo à frente até sua plena implementação. Mas é, sem dúvida, uma vitória da diplomacia brasileira e um avanço relevante.

