Impasse sobre documento final marca último dia oficial da COP30

por Assessoria de Imprensa


O rascunho do texto final, apresentado na última quinta-feira na 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), causou total insatisfação entre entidades ambientalistas, especialistas e sociedade civil. A principal crítica se relaciona à ausência do “mapa do caminho”, que é um plano de ação com etapas, prazos e metas para tratar da transição energética, com o fim da utilização de combustíveis fósseis, como petróleo e carvão. O Correio ouviu especialistas que afirmam descontentamento e decepção com a conferência.

O mapa do caminho foi proposto pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na Cúpula de Líderes, que antecedeu a COP30, em Belém. Quem também defende a proposta é o secretário-geral da ONU, António Guterres. Um grupo de 82 países já havia publicado uma moção em apoio à proposta. Mas alguns países produtores de petróleo se opuseram ao texto, e novas rodadas passaram a ser negociadas ontem.

Líderes mundiais se manifestaram sobre o rascunho apresentado. A ministra do Meio Ambiente da França, Dominique Barbut, chegou a declarar estar decepcionada com o texto. “O estado atual do texto é simplesmente inaceitável. Não podemos aceitar que a Europa seja o único continente a fazer esforços”, disse.

O desconforto é grande, e o comissário europeu para o clima, Wopke Hoekstra, declarou que o documento “não tem ciência, não tem transição e mostra fraqueza”. Em um discurso divulgado pela Comissão Europeia, ele afirmou que não irá aceitar as metas consideradas pífias. “Então, vou ser igualmente claro. Em nenhuma circunstância nós vamos aceitar isso. E nada que chegue sequer perto disso — e digo isso com dor no coração — nada que se aproxime do que está na mesa agora”, disse Hoekstra.

Para o professor de ciências ambientais da Universidade Federal do Amapá (Unifap), Marcelo José de Oliveira, é difícil estabelecer metas rígidas de redução no uso de combustíveis fósseis porque isso não interessa às grandes potências. “As grandes potências usam esse insumo e não vão reduzir. Como eles não estão participando, é difícil proibir ou estabelecer metas quando os principais produtores — e que também utilizam — não estão engajados no processo”, destacou.

Ele lembrou a importância do insumo para a economia global e que países como Rússia e Estados Unidos vão continuar apostando na indústria do petróleo. “Ainda é um insumo muito importante para manter a indústria. Embora a China tenha reduzido seu nível de poluição substituindo parte da matriz por energia renovável, ainda há dependência. E a própria China ainda está investindo em exploração e pesquisa de petróleo”, explicou.

Caroline Rocha, diretora-executiva do Instituto La Clima, contou que vários textos de negociação estavam parados havia dois dias. Ela considera as decisões atuais que constam no rascunho como fracas e sem ambição. Disse ainda que os textos não mencionam combustíveis fósseis, nem desmatamento. “Esse texto está sendo visto pela sociedade civil como uma versão mais diluída do texto original, o que está dificultando um resultado mais claro em termos de ambição”, frisou ela, afirmando que as instituições devem pressionar até o minuto final. “Até a martelada final, que deve acontecer em algum horário de hoje (sábado), a gente vai trabalhar, vai pressionar para que a maior ambição possível esteja nos textos”.

Críticas

Para Nicole Figueiredo, diretora-executiva do Instituto Internacional Arayara, a COP30 foi importante do ponto de vista da participação social, com representações ativas de comunidades indígenas, quilombolas, marisqueiras, pescadores e também da comunidade científica e da sociedade civil. Mas, segundo ela, se terminar o evento sem o chamado “mapa do caminho” para a saída dos fósseis, o evento pode ser considerado um fracasso. “Os fósseis são hoje a principal fonte das mudanças climáticas. Se não endereçarmos esse assunto agora, na COP30, com urgência e com a importância necessária, vamos continuar indo rumo ao abismo climático. O caminho que será adotado é o caminho para o abismo”, afirmou.

Ela acredita que a pressão internacional dos 30 países que ameaçaram sair das negociações influencie positivamente. “Esses países são importantes especialmente na questão do financiamento climático. Isso pode levar a uma reconfiguração do acordo”. Nicole frisou que, se o mapa do caminho não entrar no texto, não haverá nada de concreto para reduzir as emissões de gases de efeito estufa. “A discussão sobre adaptação também foi empurrada por mais três anos pelo continente africano. Vamos agravar as mudanças climáticas e não teremos mecanismos de adaptação”, destacou ela, lembrando que “os efeitos serão sentidos com mais intensidade e frequência e quem mais sofre são as pessoas negras, periféricas, com menor capacidade de renda. Isso agrava ainda mais a injustiça social, a injustiça climática e o racismo ambiental”.

Nicole criticou a falta de coerência do governo brasileiro, principalmente pelo fato de ter apresentado o mapa, mas não ter uma sinalização clara de descarbonização da matriz. “Temos um leilão de petróleo marcado para dezembro. O LRCAP prevê 311 termelétricas a gás, sendo que 80% são novas. Estamos construindo uma matriz muito fóssil, carbonizando a matriz, em vez de arrumar uma transição energética. Isso sem contar a licença do Bloco 59 e a abertura da porteira de perfuração na costa amazônica e na foz do Amazonas”, exemplificou, finalizando que, se o resultado for esse, “saímos da COP desapontados. Decepcionados com a liderança do governo brasileiro e com a COP30 como um todo”.

Para a escritora do livro Mudanças Climáticas e Direitos Humanos: aspectos da litigância estratégica, Hirdan Costa, PhD em energia, as duas maiores frustrações dessa COP são o financiamento e a retirada dos combustíveis fósseis do texto final. A especialista afirma que o “mapa do caminho”, que definiria etapas e metas para eliminar gradualmente petróleo, gás e carvão, “acabou caindo por terra”.

Ela lembrou das promessas que a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tinham demonstrado alinhamento com o fim dos fósseis. “Ao longo da semana foi feito um mapa do fim dos combustíveis fósseis, mas a retirada acabou caindo do rascunho final.” Ela ressalta que isso representa grande frustração para organizações como a Arayara, cuja advocacia central envolve a eliminação da matriz fóssil. Hirdan reforça que o carvão segue sendo o combustível fóssil com maior emissão de CO2.

Danilo Maeda, diretor-geral da Beon, consultoria em sustentabilidade, afirmou que o rascunho do mapa é decepcionante diante da ciência. Segundo ele, que está participando do evento em Belém, é preciso mais ambição nas decisões. “Esse rascunho seria decepcionante na visão dos principais especialistas e das próprias recomendações da ciência”.  Ele acredita que diante  da repercussão negativa, existe possibilidade de reviravolta. “O rascunho pode não ser um indicativo tão preciso da versão final. Em outras COPs, já tivemos rascunhos decepcionantes que mudaram, ou textos ambiciosos que não se concretizaram depois”.

Ele concorda que o ponto central é o cronograma para abandonar de vez o uso dos combustíveis fósseis. “Se se confirmar essa versão sem cronograma para o transitioning away, definido em Dubai, teremos algum grau de decepção”, aponta Maeda.

 


  • Google Discover Icon





Source link

Related Posts

Deixe um Comentário