O calçadão da Rua Barão do Rio Branco, em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, recebeu um ato ambiental no dia 12 de novembro de 2005, há exatos 20 anos. Os manifestantes protestavam contra planos de instalação de usinas de álcool e açúcar na Bacia do Rio Paraguai, no Pantanal. O clima era pacífico até que, pouco antes do meio-dia, um homem estendeu dois colchonetes na forma de uma cruz no chão, encharcou-os com dois galões de gasolina e ateou fogo no próprio corpo.
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Os demais participantes do protesto olharam para aquela cena horrorizados. No meio da bola de fogo, berrando de dor, estava Francisco Anselmo Gomes de Barros, o Francelmo, ambientalista de 65 anos que lutava pela conservação do Pantanal havia três décadas. O ativista sofreu queimaduras em 100% do seu corpo. Ele foi levado com vida para a Santa Casa de Campo Grande, mas viria a falecer no dia seguinte. Mais tarde, foram descobertas diversas cartas deixadas pelo ambientalista.
Entre os destinatários das cartas, estavam sua mulher, Iracema Sampaio, suas irmãs e várias pessoas próximas. Aos colegas ambientalistas, escreveu: “somos passados para trás pelos interesses de maus políticos, maus empresários e os PhD’s de aluguel (…) No Pantanal querem fazer do rio Paraguai um canal de navegação com portos para grandes embarcações(…) Agora querem fazer usinas de álcool no rio Paraguai (…) Já que não temos voto para salvar o Pantanal vamos dar a vida para salvá-lo”.
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Vinte anos após sua morte, o ativista será lembrado durante uma atividade da Conferência do Clima (COP30), em Belém, no Pará. A Escola de Economia Criativa da Zona Verde, no Parque da Cidade, recebe o seminário “Vidas que vão, lutas que ficam: Francelmo, o Pantanal e os defensores do clima”, que será promovido pela Environmental Justice Foundation (EJF) no próximo sábado.
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Em 2005, o projeto de lei para permitir a construção das usinas havia partido do governador do Mato Grosso do Sul, o Zeca do PT. Depois do suicídio de Francelmo, pressionados, os deputados estaduais rejeitaram a proposta. Em 2008, o Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) aprovou a moção que tornou o dia 12 de novembro o Dia do Pantanal. Presidente da Fundação para Conservação da Natureza de Mato Grosso do Sul (Fuconams), Francelmo tinha sido um dos fundadores do Conama.
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Baiano de Salvador, ex-cabo da Aeronáutica, o ambientalista se mudou para o Pantanal e se tornou um ambientalista. Ele fundou a Fuconams, nos anos 1970, justamente para impedir a implantação de uma usina de álcool no Pantanal. A mobilização deu certo, e o projeto da destilaria foi derrubado. Em 1982, a Assembleia Legislativa do Mato Grosso do Sul aprovou uma lei que proíbe a construção de usinas de álcool no bioma do Centro-Oeste. Era esta a lei que o governo de Zeca do PT vinha tentando alterar.
De acordo com pessoas próximas a Francelmo, ele temia que os ambientalistas perdessem a briga e vinha se mostrando inquieto, mas ninguém jamais suspeitara das intenções do ativista de se imolar. “Comecei com ele ainda nos anos 1970. Nunca imaginei que ele fosse fazer uma coisa dessa”, disse, à época, o amigo de militância Astúrio Ferreira dos Santos, da Associação de Pesca Amadora. “Nosso movimento é pacífico, e o Anselmo sempre foi um homem calmo e controlado”.
Foi durante o protesto no Calçadão da Barão do Rio Branco, no dia 12 de novembro de 2005, que o ativista entregou para o então diretor da Fuconamans, Jorge Gonda, uma pasta com todas as cartas de despedida. De repente, no meio da manifestação, os ambientalistas viram o fogaréu formado com um homem lá dentro. Algumas pessoas usaram extintores para ajudar o indivíduo, sem saber quem era. Só depois da chegada do Corpo de Bombeiros, todos souberam que era Francelmo.
“Minha vida sempre foi um sacerdócio em defesa da natureza”, escreveu o ativista em uma de suas cartas. “É a nossa casa e o presente maior de Deus. Se ele deu a vida por nós, eu estou dando a minha vida por ele, defendendo o futuro dos nossos filhos. […] Continuem a luta por mim”.
Dias depois, o poeta mato-grossense Manoel de Barros homenagearia Francelmo em uma carta pública, chamando-o de “o último herói do Brasil”.

