Um executivo que conheci recentemente, chamemo-lo de Cláudio, disse que chorou copiosamente nos momentos finais de uma prova esportiva de que participou neste ano. Chorou não de alegria, como é comum, mas de decepção: iria fazer um tempo muito aquém do que imaginava, e o negócio agora se resumia a concluir a parada.
Mesmo destreinado, ou melhor, não suficientemente treinado, sua expectativa inicial era bem mais alta.
Por que não basta ao esportista amador tentar fruir a competição sem metas a ser batidas? Cláudio precisava se decepcionar?
Embora aparentemente ninguém participe de algo para perder, não é só subindo ao pódio ou superando recordes pessoais, quero crer, que se ganha alguma coisa. Por definição, esporte amador é esporte a que se devota, ou a que caberia devotar, amor. Diletantismo.
Será que somos projetados exclusivamente para vencer? Não me parece que em nosso código genético exista apenas a informação de que devemos ser o alfa, do contrário não formaríamos sociedades.
São cada vez mais comuns nas “expos”, a feirinha que se arma às vésperas de maratonas, treinadores discorrerem sobre o “circuito” a ser palmilhado pelos corredores.
Nesse momento, descrevem escrupulosamente este ou aquele quilômetro, o momento ideal de se aproximar ou de se afastar da calçada, como se fossemos pilotos de carros a buscar a melhor maneira de aderir ao solo, de atacar uma curva, de tirar partido da zebra.
A demanda talvez crie a oferta, ou vice-versa, já não sei, e isso indica que há interesse por esse tipo de orientação, que talvez faça sentido apenas para quem corre a 20km/h. Infiro assim que sujeitos muito mais lentos, de pace 6, vai, cheguem a essas provas com a faca nos dentes.
Não nego que correr rápido, e mais, cada vez mais rápido, tem seus encantos, e admito que venho experimentando a sensação. Mas fico a pensar como é possível para a tigrada suportar os 42km da maratona (ou os 21km da meia), e efetivamente concluir a prova, se o que se leva à cabeça são metas, métricas, fórmulas, memos, post-its imaginários das dicas do coach, ou seja, competitividade exacerbada.
Não acho que devemos ser todos como Joe Strummer, o líder da seminal banda The Clash, que, reza a lenda, correu em seus anos dourados a maratona de Londres em mood totalmente casual, após mandar quatro litros de cerveja na véspera. A propósito, já “quebrei” uma meia do Rio bastante em consequência, acredito, da má escolha da cachaça –não metafórica– na noite anterior, na mítica Adega Pérola.
Há uma crença, especialmente no meio corporativo, e isso transborda para o cascalho, de que treinar para uma competição de endurance exige necessariamente disciplina, método, planilhamento, e que isso inclusive volta para o trabalho, melhorando o gestor. Pode ser verdade, mas o lado B desse negócio, e isso quase nunca é lembrado, é que, caso o resultado não venha, a decepção vem forte.
E, a propósito, por que mesmo precisamos alcançar um resultado? Isso é um imperativo incontornável nessa nova sociedade do desempenho?
Um colega colunista da Folha, o economista Michael França, sempre dedica suas colunas a músicas. Homenageio-o aqui, usando seu método.
Esta coluna é dedicada ao “Poema em Linha Reta”, de Fernando Pessoa, na versão punk da Patife Band, de Paulo Barnabé.
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