Aulas são realizadas uma vez por semana; objetivo é tornar o lugar inclusivo para todos
Pedir café com ou sem açúcar e ser compreendido deveria ser um ato simples. Mas, e quando a famosa barreira linguística não permite? Foi depois de ter que se virar nos 30 para atender uma pessoa surda que os funcionários da Padoca do Enaldo, na Rua Dom Aquino, começaram a ter aulas.
Funcionários de padaria em Campo Grande aprendem Libras para melhor atender clientes surdos. A iniciativa surgiu após dificuldades no atendimento e conta com quatro dos oito colaboradores participando de curso especializado, focado na rotina do estabelecimento. O treinamento, ministrado pela intérprete Danielle de Rezende, inclui expressões básicas como cumprimentos e perguntas sobre preferências de lanches e café. A proprietária Michelle Pinho Echeverria planeja expandir a acessibilidade com cardápios em outras línguas, incluindo braile.
A empresária Michelle Echeverria lembra que ao atender um cliente surdo, mesmo que tenha se saído bem no momento, já não dava para continuar a fazer mímica. O objetivo era aprender Libras e atender direito as pessoas que se comunicam através dela.
Ao todo, quatro dos oito funcionários fazem o curso voltado exclusivamente à rotina de uma padaria. Perguntas sobre preferências de lanches e, principalmente, sobre o café são o foco. As aulas acontecem toda semana e seguem assim durante três ou quatro meses. Quem encarou esse desafio foi a intérprete Danielle de Rezende, que trabalha com Libras há 15 anos.
A ideia começou a tomar forma quando Michelle decidiu que queria oferecer mais do que uma rampa para cadeirantes. Ela conta que, entre os planos futuros, está a produção de cardápios em outras línguas, como inglês e espanhol, além das versões dele em Libras e em braile.
“Como eu venho da área da saúde, a gente já viu algumas dificuldades dentro do hospital, no atendimento e cuidado. A minha vontade era que ela fosse literalmente acessível a todos os públicos. Nós não somos apenas uma rampa. Eu entendo que uma empresa precisa fazer um trabalho social também.”
Ela também participou das aulas e ressalta que é desafiador para quem nunca teve contato com a língua, mas se sentiu feliz ao ver os funcionários entusiasmados com isso. Para que eles praticassem depois, ela gravava as aulas, que são presenciais.
“Eu vi que eles ficaram encantados. Já vieram pessoas surdas aqui. Eu fiquei até com medo, porque se eles começassem a vir, a gente iria passar vergonha. Veio um na semana passada e as meninas conseguiram entender e fazer pelo menos o básico, o café, o bom dia. Já vi diferença.”
Danielle conta que sempre foi cliente da padaria e que as pessoas perguntavam onde era para ir.
“Sempre compartilhei meus cafezinhos nas redes sociais. Com o tempo, muitos surdos me enviaram mensagens dizendo querer conhecer o lugar. Isso despertou em mim a percepção de que havia demanda e oportunidade. Surgiu então a ideia dessa parceria de treinar a equipe para que o local também seja um espaço acessível, acolhedor e preparado para atender a comunidade surda com respeito e autonomia linguística.”
Entre os ensinamentos, Danielle mostra como perguntar se a pessoa deseja adicionais, como açúcar, e se ela quer mais ou menos. Além disso, ensina cumprimentos básicos como “bom dia”, “boa tarde” e “até a próxima”.
Os funcionários Guilherme Inácio, de 18 anos, e Daniele Mota, de 29, são alguns dos que participaram do treinamento.
“Eu achei interessante porque, em outro contexto, em uma empresa em que eu trabalhava, tinha um funcionário que tinha essa dificuldade e a gente não conseguia ter uma comunicação com ele. Eu achava que não conseguiria aprender, mas tem sido bem legal e eu tenho treinado nos bastidores”, conta ela.
Guilherme explica que esta é a primeira vez que faz aulas de Libras e que a questão gestual é a mais difícil. “Eu achei muito interessante, adorei, porque, além de me trazer conhecimento para a vida, vai ser algo útil. Como é uma língua diferente, tenho dificuldades no aprendizado. Mesmo sendo do português, há muita diferença.”
Michelle ressalta que sentiu a equipe com vergonha porque, além das mãos, na Libras também se usam expressões faciais.
“A maior dificuldade foi o movimento que a gente precisa fazer, porque descobrimos que não é só a mão, é o rosto. Então, a dificuldade deles é a vergonha de expressar. Por exemplo, a variação dos porquês, a pergunta é difícil. Na nossa voz, a gente tem a entonação da pergunta. Na Libras, não, é a mão de um jeito diferente.”
Já para intérprete de Libras, a parte mais difícil no processo de aprendizagem é fazer o aluno compreender que Língua de Sinais e que ela não se resume a decorar.
“A comunicação exige a combinação de vários elementos, como expressão facial, expressão corporal, movimento adequado do sinal, configuração de mãos. Esses componentes alteram sentidos, marcam aspectos gramaticais e tornam a interação clara e natural. Libras é uma língua completa, com estrutura e regras próprias, e quando o aluno entende essa complexidade, percebe o quanto é gratificante conseguir se comunicar por meio dela”.
A Padoca fica na Rua Dom Aquino, 2158, no Centro.
Acompanhe o Lado B no Instagram @ladobcgoficial, Facebook e Twitter. Tem pauta para sugerir? Mande nas redes sociais ou no Direto das Ruas através do WhatsApp (67) 99669-9563 (chame aqui).
Receba as principais notícias do Estado pelo Whats. Clique aqui para entrar na lista VIP do Campo Grande News.




