Tem sido comum afirmar que Nova York elegeu um muçulmano prefeito 24 anos depois dos atentados de 11 de Setembro, cometidos pela Al Qaeda. Na época, Zohran Mamdani tinha dez anos de idade. Obviamente, ele não tinha nada a ver com o atentado, cometido 19 terroristas estrangeiros, sendo 15 sauditas. Ainda assim, de fato, demonstra que os nova-iorquinos em sua maioria condenam a islamofobia e sabem diferenciar um muçulmano de um integrante da rede fundada por Osama bin Laden.
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Nesta segunda, no entanto, um verdadeiro terrorista é recebido com honras de chefe de Estado pelo presidente Donald Trump na Casa Branca. Nascido na Arábia Saudita de pais sírios, Alhmad al Shara, autointitulado presidente da Síria, integrou a Al Qaeda incialmente no Iraque. Abu Baker Al Baghdadi, que liderada a organização no território iraquiano e viria a fundar o Grupo Estado Islâmico, designou Al Shara, ainda com o nome de guerra de Mohammad al Julani, para comandar o braço da Al Qaeda na Síria.
A Frente Nusrah, como era chamada a rede terrorista no território sírio, cometeu múltiplos atentados terroristas e matou milhares de pessoas. Cometia atrocidades contra minorias religiosas como os alauítas, cristãos e drusos. Posteriormente, rompeu com Baghdadi, mas manteve lealdade à Al Qaeda. Sua agenda sempre foi jihadista.
Viria a mudar o nome da Frente Nusrah para Hayyet Tahrir al Sham anos depois, distanciando-se da Al Qaeda, mas não do terrorismo. Na guerra contra a sanguinária ditadura de Bashar al Assad, acabou sendo a milícia rebelde mais bem-sucedida e controlava a Província de Idlib. Ao longo dos anos, travou batalhas não apenas contra as forças do antigo regime como também contra milícias curdas na fronteira com a Turquia.
No ano passado, em uma surpreendente ofensiva, conseguiu derrubar a ditadura de Assad. Assumiu o poder em Damasco, onde instalou uma nova ditadura de viés radical. Embora ele pessoalmente tente evitar ataques a minorias, ou diz tentar, seus seguidores realizaram massacres contra alauítas, drusos e atentados contra alvos cristãos. Aqui cabe explicar que a Síria é uma nação árabe, com uma minoria étnica curda. Em termos religiosos, a imensa maioria segue o islamismo sunita, com expressivas minorias cristãs orientais de diferentes denominações, drusas e alauítas, sendo estas duas últimas correntes místicas do islã.
No exterior, amparado pela Turquia e pela Arábia Saudita, Al Shaara conseguiu trabalhar para melhorar a própria imagem, vestindo terno e adotando um tom conciliatório com os EUA. Evita uma retórica anti-Israel, embora Benjamin Netanyahu tenha ampliado a ocupação da Síria e forças israelenses deem apoio a certos setores da sociedade drusa da Síria. Desta forma, o ditador sírio conseguiu ser mais aceito por Washington, apesar de alas do Partido Republicano e mesmo do Democrata tenham cautela diante do seu radicalismo religioso.
Trump parece não se importar. Talvez seja simplesmente pragmatismo. Não há alternativa ao ditador sírio neste momento e, aparentemente, ele busca manter a estabilidade no país. Perseguição a minorias religiosas nunca foi um problema para os EUA desde que sigam aliados aos EUA – basta ver a Arábia Saudita, que ainda proíbe igrejas e sinagogas e é chamada de “moderada” em Washington.

