Zuzu Angel era uma exímia nadadora e, desde que se mudou para o Rio, na virada dos anos 1940 para 1950, tentava encaixar em sua rotina um mergulho diário no mar de Ipanema, onde morava. Dava braçadas em direção às Ilhas Cagarras e, na volta, dizia às filhas, Hildegard e Ana Cristina: “Na vida, a gente tem que enfrentar as ondas e atravessá-las sem temor”. Uma frase que hoje soa profética quanto à maneira como a estilista lutou por justiça diante do assassinato do filho, Stuart, pela ditadura militar, em 1971.
Detalhes do tipo estão em “Quem é essa mulher: Uma biografia de Zuzu Angel”, que acaba de chegar às livrarias pela Todavia. Uma pesquisa minuciosa iniciada em 2021 pela historiadora mineira Virginia Siqueira Starling e que se desdobra em 560 páginas. Lançado às vésperas do cinquentenário da morte da estilista, também morta pelo regime dos militar, em 1976, o livro se debruça sobre diferentes aspectos desta personagem que ainda não havia recebido uma publicação do tipo. “A maioria dos materiais, sejam acadêmicos ou reportagens, focavam na mãe, na denúncia política ou no desfile protesto, feito nos Estados Unidos. Acabavam não mostrando, por exemplo, o posicionamento feminista da Zuzu, muito forte desde o final dos anos 1960, assim como o pioneirismo dela como empresária de moda”, adianta a autora.
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Zuzu adotou uma postura radical diante da morte do filho, comportamento que, no livro, aparece em situações como a ocasião em que chamou Juscelino Kubitschek de pamonha ou a “saudação” que fazia aos agentes de vigilância, quando notava que uma ligação telefônica estava grampeada. “Ei, você que está aí me ouvindo, não adianta porque não vou parar”, dizia. E não parou. Seguiu numa cruzada cujo ápice foi o famoso desfile-protesto nos Estados Unidos, em que exibiu peças com anjos e canhões bordados, na casa do cônsul do Brasil em Nova York, Lauro Soutello Alves, em 1971.
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Ao mergulhar na história da estilista, Virgínia nota que a postura impetuosa já a acompanhava mesmo antes do desaparecimento do filho, cujo corpo nunca foi encontrado. “Há duas coisas que a definem: a coragem e a liberdade”, diz. “Ela se casou com um americano e foi embora de Belo Horizonte, onde vivia. Depois, teve coragem para se separar dele, montar uma marca própria e ir até os Estados Unidos em busca de um novo mercado.”
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A autora também reconhece que as criações de Zuzu já traziam tintas políticas mesmo antes do assassinato de Stuart. “Ela foi a primeira designer a defender uma moda abertamente brasileira fora do país”, ilustra. “Também era a favor de que a mulher se vestisse como quisesse. Havia uma preocupação em libertá-la por meio da moda. Em determinada coleção, queria vestir filha e mãe sem conflitos de geração. Se falar disso hoje em dia é moderno, imagine há 70 anos?”
É por razões como essas que o designer mineiro Ronaldo Fraga, para quem Zuzu é uma referência, defende que ela seja uma figura celebrada e estudada na História do país. “Não houve um estilista antes dela que tivesse usado a moda como vetor político. Quando fiz uma coleção em sua homenagem (em 2001), fiquei anos sendo convidado para falar sobre o assunto na Argentina”, recorda-se, citando ser este um país que até hoje tem a própria ditadura como “um nervo exposto”, com criminosos julgados e corpos encontrados. “Mas não houve um estilista que denunciasse isso como Zuzu fez por aqui.”

