Há mais de cinco décadas, na Zona Norte carioca, Pedro Alberto Augusto da Silva, de 77 anos, transforma o simples em obra-prima. Com couro, gilete e sola de pneu, ele cria a arte que está na base da evolução de passistas, musas e celebridades do carnaval. Do ateliê em Tomás Coelho, suas criações saíram para cruzar a Sapucaí, brilhar na TV e alçar voo até o Japão. Tudo isso pelas mãos de um mestre especializado em garantir a beleza e o conforto que envolvem os pés mais famosos do mundo do samba.
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O artesão, aclamado como Mago das Sandálias, não atende apenas ao Rio de Janeiro. Sua fama e a confiança em sua arte se espalharam por todo o Brasil, com produção para escolas de samba de outros estados, como São Paulo, e para o exterior, incluindo a agremiação japonesa Sol Nascente. Seu nome é garantia de segurança e beleza para estrelas como a rainha de bateria da Viradouro, Juliana Paes, que estreou seu salto no último domingo; e a musa da Beija-Flor, Sávia David.
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A fama da fábrica ultrapassou fronteiras. Foi dele o sapato usado por Virgínia Fonseca em seu primeiro ensaio técnico na Grande Rio. A influenciadora, com mais de 50 milhões de seguidores, enviou as medidas à distância. O resultado, com pedrarias nas cores verde e vermelho, surpreendeu a escola de Duque de Caxias e viralizou como um estandarte digital.
— O diferencial dele é adaptar o sapato para cada pé. O meu é mais fino, ele ajusta. A mágica vem daí, porque, se você não está confortável, não samba. A roupa não te coloca em perigo, mas o sapato coloca. Imagina se preparar o ano inteiro e torcer o pé. Eu coloco o sapato numa importância maior do que a fantasia — diz Sávia David.
No pequeno ateliê, o tempo não se mede em horas, mas pelo ritmo em que cada detalhe é acrescentado às peças. O som ambiente é marcado pelo sopro ritmado da balancim — a velha máquina de corte —, que suspira como uma espécie de pulmão da oficina, a cada movimento do mestre. É ali, entre retalhos de couro, tecidos cintilantes e pó de borracha lixada, que o mago tece os sonhos que adornam os pés das estrelas da festa.
A destreza de Pedro Alberto é o maior segredo do sucesso, é o que garante a perfeição e o equilíbrio necessários para as musas do maior espetáculo da Terra. Natural de Juiz de Fora, o profissional chegou ao Rio aos 15 anos, depois de perder o pai. Acolhido por uma tia no Engenho de Dentro, logo se aproximou do ofício que se tornaria seu destino. O primeiro contato com o universo dos calçados, porém, aconteceu antes, ainda na infância, quando tinha 7 anos.
— Conheci uma senhora num ponto de ônibus. Eu levava o almoço para o meu pai, e ela pediu para eu levar também para o marido dela numa fábrica de sapatos. Aí comecei a ir lá e observar o ofício. Aos sábados, pedia à minha mãe para voltar e ficar vendo o pessoal trabalhar — relembra.
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No Rio, começou como montador, dando a forma inicial ao calçado. Passou por indústrias no Engenho de Dentro e no Rio Comprido até que, aos 30 anos, surgiu a curiosidade pelo mundo do carnaval:
— A época era de Cacique, Bafo da Onça, Vai Se Quiser, Boêmios de Irajá. Eu fazia sandália de duas tiras para o pessoal dos blocos. Foi o meu primeiro contato com o carnaval de rua.
O que era paixão virou um compromisso de vida. Com o tempo, o artesão passou a fornecer calçados para escolas de samba inteiras.
— Cheguei a fazer sete mil pares num carnaval. Fazia dois, três, quatro mil para uma só escola — conta.
O ritual do mago começa com a cliente pisando numa folha de papel A4 no chão do ateliê, coberta pela poeira escura do couro lixado. Com um lápis simples, Pedro Alberto desenha o contorno exato do pé.
— A magia começa aí — diz.
O restante é uma coreografia manual: o corte com a gilete, a pintura com o pincel e a paciência:
— Aqui não tem tecnologia, é tudo feito no olho, na mão.
O segredo para que essa magia aconteça, segundo o mestre, reside na matéria-prima e, sobretudo, no toque da experiência.
— Uso sola de pneu nos saltos para melhorar a aderência. É disso que as mulatas gostam. Elas sambam na Avenida, mas também sambam no asfalto, quando tem ensaio de rua — brinca.
O Mago das Sandálias, que não se recorda exatamente de quando o apelido surgiu, atende a boa parte das escolas do Grupo Especial: Vila Isabel, Salgueiro, Portela, Imperatriz, Beija-Flor e Grande Rio são algumas das que estão na lista. As sandálias custam a partir de R$ 250 e levam, em média, três horas para serem concluídas, podendo exigir um dia inteiro de trabalho no caso de peças mais elaboradas. O fato é que o ateliê não para.
— No ano passado, tivemos que parar de pegar encomenda em novembro. Não dava conta — diz o artesão.
O sucesso não afasta Pedro Alberto do trabalho manual, nem do foco em seu legado e no futuro do ofício. Ele conta com o apoio de uma nova geração, como Zaira Cancino, de 36 anos, que começou como cliente e se tornou assistente; e Andressa Matinho, rainha da Unidos de Padre Miguel, com quem tem uma parceria que já dura 17 anos.
— A gente leva o nome do senhor Pedro para todos os lugares através das sandálias que ele confecciona. Fui para um festival na China e levei uma mala só de calçados. Peguei chuva, sol, e a sandália intacta. É segurança, conforto e beleza — derrete-se Andressa.

