Quando a socióloga Laura Ximena Márquez Ramírez, 35, contou às colegas feministas da Universidade Nacional da Colômbia que estava conduzindo um estudo com homens fãs de Maradona, a reação foi de espanto.
A reputação machista do ídolo argentino, mulherengo e de conturbada vida familiar, indicava uma contradição. Laura respondia com descobertas do trabalho. “Já fiz entrevistas sobre o conflito armado colombiano e outros temas sensíveis, e nunca tinha acontecido de um homem chorar. Nesta, a maioria dos entrevistados chorou”, diz. “Falando sobre Diego, surgiram repertórios de dores e emoções muito belos.”
A pesquisa de Laura é uma das 42, de sete países, que serão apresentadas no 1º Congresso Internacional sobre Diego Armando Maradona – “Aproximações a um universo infinito”, de 6 a 8 de novembro, na Universidade de Buenos Aires (UBA).
Parte da programação será transmitida por streaming. Entre os temas dos debates, que vão de “Diego como fato político universal” até uma “filosofia maradoniana”, o futebol é o assunto menos destacado.
A treinadora Monica Santino, 60, promotora de um projeto social de “futebol feminista” em uma favela argentina, lembra que a morte de Diego, em 20 de novembro de 2020, foi uma bola dividida para o movimento.
Aquelas que, como ela, a lamentaram publicamente foram alvo de cancelamento, cobradas pelas acusações de violência contra mulheres e pela recusa dele em reconhecer filhos fora do casamento.
Mas Monica também recorda que, anos antes, Maradona se manifestou a favor do aborto e apoiou o futebol feminino. “Creio que era mais feminista do que pensava, nisso de lutar por direitos e contra a opressão, que para mim é o ponto central do feminismo”, diz.
Objeções a uma afiliação “maradoniana”, no entanto, não se restringem a questões de gênero. Podem estar relacionadas a nacionalidade e rivalidade.
O professor Marcelo Argenta Câmara, 54, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), conta que era zoado a cada fracasso da seleção albiceleste. Isso mudou em 2022, quando muitos brasileiros como ele, no Sul, torceram pelo time de Messi na decisão da Copa do Mundo.
“Hoje tem uma galera usando camisa da Argentina por aí, mas antigamente eu torcia sozinho”, diz Câmara, que falará sobre “Geografias Maradonianas”.
“O Maradona encarna essa periferia tão comum na América Latina. Não se desliga da sua origem, dos problemas políticos. É um tipo de futebolista que, infelizmente, a gente vê muito pouco”, diz, lembrando a atuação dele em causas de esquerda.
A admiração é tanta que Câmara mantém um pequeno altar na sala de casa, com objetos relacionados a Maradona. E não é exatamente uma exceção, segundo a jornalista argentina Gabriela Saidon, 64, autora de “Superdios – La construcción de Maradona como santo laico” (2021, não publicado no Brasil), que surgiu na sequência de uma pesquisa sobre santos populares e pagãos venerados no interior do país, como o Gauchito Gil.
Gabriela encontrou semelhanças na devoção a Maradona, como as oferendas em troca de pedidos. “Há gente que lhe acende velas, que toca sua imagem antes de sair de casa. Há fábricas de ‘santinhos’ de Maradona. Há um santuário no estádio do Argentinos Juniors (clube que o revelou) que tem bancos para rezar, todas as características de uma igreja”, enumera Gabriela, sem esquecer da famosa Igreja Maradoniana.
“Sou ateia, e tenho uma visão crítica de como o endeusaram. Mas, para as pessoas, lhes dá força. Há uma religião aí”, opina.
O fervor por Maradona também se mostrará na exposição de 18 projetos de ação social inspirados na figura do ex-jogador; na 1ª Feira do Livro Maradoniana, com 30 autores; e na mostra de arte e fotografia, com 60 artistas.
“Diego não estudou na universidade, mas de alguma maneira chegou nela”, diz o jornalista Fabián D’Aloisio, 55, um dos organizadores do congresso e criador da “cátedra maradoniana Diegologías”, curso de extensão que estreou este ano na UBA.
Fabián destaca que Maradona segue presente nas lutas populares. Nos protestos dos aposentados contra o governo Milei, uma frase do ex-jogador, “Tem que ser muito cagão para não defender os aposentados”, costuma ser empunhada nos cartazes.
O Maradona líder sindical, que em 1995 criou, ao lado de jogadores como o brasileiro Raí, a Associação Internacional de Futebolistas Profissionais (FIFPro, na sigla em inglês), será lembrado por seu ex-preparador físico Fernando Signorini. “O futebol tem que ser dos futebolistas, de uma vez por todas. Hoje, (os jogadores) são ovelhas dóceis. O poder os necessita assim, frívolos, se possível também estúpidos, grosseiros, insensíveis, egoístas”, disse à Folha.
Signorini, 74, participará do congresso com primazia de craque, livre para atuar em todas as mesas e conferências e falar tanto do esportista quanto do amigo e do ativista. “As conquistas esportivas ficam, mas transcender por suas convicções, por enfrentar o poder sem se ajoelhar, é muito mais admirável que os gols e o melhor de todos os títulos”, diz.

