Dias após o atentado do Hamas em 7 de outubro de 2023, ao voltar de uma cobertura na ONU em Nova York, vi um pequeno grupo carregando bandeiras palestinas. Uma dezena de pessoas. Temi que fossem hostilizadas. A solidariedade era muito maior com Israel. Poucos previam que, dois anos mais tarde, manifestações com dezenas de milhares de pessoas a favor da Palestina ocorreriam em capitais europeias e mesmo nos EUA. Poucos tampouco previam que mais americanos se identificariam como pró-Palestina do que como pró-Israel. A causa palestina sempre desfrutou de apoio, mas jamais na proporção atual. Até potências europeias como o Reino Unido e a França passaram a reconhecer o Estado palestino nos últimos meses.
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Existem, no entanto, dois sentimentos pró-Palestina. O primeiro, do qual compartilho, defende o direito de os palestinos terem uma nação independente em Gaza, Cisjordânia e com capital em Jerusalém Oriental, além de uma solução justa para os refugiados. É essa Palestina que recebe apoio da maior parte das nações do mundo, como o Brasil, a França, os países do mundo árabe e a própria Autoridade Nacional Palestina.
Quando criticamos o governo de Benjamin Netanyahu, levamos em consideração suas ações para impedir a criação de uma Palestina independente. Enquanto negocia um cessar-fogo com o Hamas, Netanyahu amplia a ocupação da Cisjordânia, onde há centenas de milhares de colonos israelenses vivendo em assentamentos ilegais. O premier israelense é contra a autodeterminação dos palestinos ou terem direito à cidadania israelense. Algo único, como já escrevi outras vezes — os curdos não têm Estado, mas são cidadãos da Turquia ou do Iraque; bascos não têm Estado, mas são cidadãos da Espanha ou da França. Também condenamos as ações israelenses em Gaza, descritas como genocídio por uma comissão de inquérito independente da ONU e por entidades humanitárias como a Anistia Internacional e o Médicos Sem Fronteiras. Ao mesmo tempo, condenamos o atentado terrorista do Hamas e defendemos a existência do Estado de Israel nas fronteiras pré-1967.
Há, no entanto, um segundo sentimento pró- Palestina que seria também anti-Israel. Esse sentimento é contrário à existência do Estado israelense e de claro viés antissemita. Embora impraticável (Israel não desaparecerá), ser contra Israel existir implica defender a expulsão ou morte de milhões de pessoas residentes em Tel Aviv, Haifa, Jerusalém e outras cidades. Deve-se condenar a limpeza étnica de palestinos em 1948, assim como também devemos condenar a muitas vezes esquecida e ignorada limpeza étnica de judeus de Aleppo, Bagdá, Damasco, Alexandria e Cairo na mesma época, onde minorias judaicas viviam havia séculos com seus vizinhos muçulmanos e cristãos.
Mais uma fez, insisto — só haverá paz com um sentimento pró- Palestina e pró-Israel, que era prevalente nos anos 1990. Não adianta ser contra um ou outro. Um Estado binacional, com concessão de cidadania a palestinos, até poderia ser mais justo e ético, mas é inviável — tema para outra coluna. A melhor solução, apesar de todos os obstáculos, ainda é a de dois Estados.