Mesmo o usuário mais distraído deve ter notado que existe uma nova aba no Google. Ela fica em destaque, ao lado da pesquisa por imagens e da opção de Notícias. E o nome já explica a que veio: Modo IA.
O recurso, em formato de conversa semelhante ao ChatGPT, começou a ser liberado na semana passada no Brasil e em 180 países. O Google diz que o Modo IA é feito especialmente para buscas que demandariam múltiplas consultas, perguntas em sequência ou comparações.
Mas se engana quem pensa que essa é só uma nova opção dentro do buscador mais usado do planeta. É também o sinal mais forte até agora de que o Google está disposto a se adaptar diante da ascensão de ferramentas de inteligência artificial — e talvez consolidar uma nova forma de buscas na Web.
- Quer receber a newsletter de IA no seu e-mail? Inscreva-se no cardápio do GLOBO
Executivos chegaram a sugerir que o Modo IA substituiria o modelo atual. Em uma rede social, um gerente de produto da área de IA do Google respondeu a um usuário que perguntou se o formato será o padrão: “em breve”, dissse. Oficialmente, a empresa afirma que pretende “incorporar recursos e funcionalidades do Modo IA à experiência principal de busca”.
A expansão acontece em meio aos sinais crescentes de que a hegemonia do Google nas buscas poderá se desgastar. No início do mês, em um processo antimonopólio nos EUA, a Justiça considerou que ferramentas de IA enfim representavam alguma concorrência para a big tech. O entendimento poupou a empresa de ter de lidar com medidas duras, como a venda do navegador Chrome.
Mas, afinal, enquanto é uma opção e não o padrão, vale a pena usar o Modo IA? Nós testamos. E mais: se o formato de “conversa” realmente pegar, o que acontece com os links da internet?
1. Como funciona o Modo IA
A cada busca feita no Google, um sistema de ranqueamento lapidado por duas décadas e meia é ativado. Ele rastreia a internet e, em segundos, entrega uma lista de links mais relevantes, segundo uma complexa rede de critérios. Com o tempo, além dos sites, passaram a aparecer imagens, produtos e, mais recentemente, resumos gerados por IA (os chamados AI Overviews).
O Modo IA funciona a partir de uma aliança entre o sistema de ranqueamento de sites e o Gemini, o modelo de inteligência artificial do Google. Para gerar as respostas, a ferramenta usa um método chamado query fan-out, que “quebra” as questões em subtópicos e faz uma série de consultas simultâneas.“ Isso permite que a Busca vá ainda mais fundo na web do que uma pesquisa tradicional”, afirma a empresa.
A própria interface deixa visível parte do processo, com mensagens como “pensando”, “iniciando dez pesquisas” e “analisando x sites”. A resposta aparece com um texto pronto e um sinal dos links de onde foram retiradas as informações. Além de buscas por textos, é possível fazer perguntas a partir de imagens e voz.
- Por que as IAs ‘alucinam’? Resposta pode estar na obsessão por acertar
Fernando Ferreira, doutor em inteligência computacional pela UFRJ e pesquisador do Netlab, traduz o que acontece: o sistema “lê” os resultados da busca e, em vez de listar páginas, cria um resumo em linguagem natural. As vantagens passam pelas respostas mais diretas para questões complexas, o que otimiza o tempo.
— Um problema direto é a falta de transparência: o usuário não sabe exatamente quais fontes foram usadas nem por que elas apareceram no resultado. Isso significa menos controle sobre a origem da informação — acrescenta o pesquisador, que lembra ainda do risco de “alucinações”.
2. Do Emmy ao iPhone 15: testamos a nova aba
“Perguntas exploratórias” e “tarefas mais complicadas” são aquelas que cabem melhor para o Modo IA, de acordo com o Google. É o caso de recomendações locais, planejamentoe d viagem, instruções complexas ou comparação de produtos, por exemplo.
Para acessar, basta ir ao Google e clicar no botão Modo IA, na barra principal ou no canto superior esquerdo. Depois, se quiser, a opção de abrir uma nova conversa fica na lateral, com símbolo de lápis e papel. A ferramenta funciona no desktop e aplicativos.
- Respostas mais completas: Como usar o modo ‘investigação’ das IAs para fazer pesquisas profundas
O primeiro pedido foi feito para três IAs (o Modo IA, o ChatGPT e o Gemini): uma lista com os mais premiados no Emmy 2025, com uma sinopse e a indicação de onde assistir. O pior resultado foi do Gemini, que disse que a cerimônia não tinha acontecido. Questionada, a IA trouxe depois uma lista sem os principais vencedores deste ano.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2025/1/I/dGj4nHQuiOvJOm5iueeg/captura-de-tela-2025-09-15-as-23.33.59.png)
Já o Modo IA, após conferir 14 sites, trouxe uma lista correta, com os três títulos mais consagrados (“Adolescência”, “The Pitt”e “The Studio”) e outros destaques. Diferentemente do ChatGPT, porém, o resultado não vinculou cada informação ao link de origem, o que é uma promessa do Google, e exibiu apenas um bloco genérico de fontes.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2025/I/Z/MQQVT5RbKsQBgVPUKdIA/whatsapp-image-2025-09-15-at-23.33.27.jpeg)
Quando recebeu um pedido de checagem, o Modo IA mudou a ordem dos premiados (“O Estúdio”, série da Apple que recebeu mais troféus, ficou à frente de “Adolescência, da Netlix). A resposta também mudou as sinopses e só aí trouxe o link de referência para cada frase.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2025/M/n/fmyuHcTt6jlwbdfA4SYw/captura-de-tela-2025-09-15-as-23.38.48.png)
No pedido seguinte, o Modo IA precisava sugerir cafés no bairro da Santa Cecília, em São Paulo, abertos até as 18h e que aceitassem cachorros. A avaliação de usuários era um critério para as repostas. Das três sugestões, porém, só duas cumpriram os requisitos — uma delas sequer ficava em São Paulo, mas em uma cidade há mais de uma hora da capital. Somente depois de repetir o pedido, a IA acertou.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2025/U/p/3DSsVQS0yFhD2tLEk85A/captura-de-tela-2025-09-15-as-23.40.32.png)
Um resultado interessante veio do comparativo de produtos, após um pedido para “as melhores ofertas de iPhone em sites de e-commerce que entregam em São Paulo”. A tarefa adicional era: faça uma tabela comparativa de prós e contras. A resposta foi rápida:
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2025/z/u/xAY8zvQ8eYLvrSqr4x7Q/captura-de-tela-2025-09-15-as-23.42.29.png)
Vale lembrar que os resultados podem variar de usuário para usuário.Testamos ainda se a IA cederia a absurdos, como sugerir dieta de pedras ou receita de cola na pizza. A IA não “alucinou” em nenhum dos dois casos.
3. Para fechar: por que a Web está em alerta
Rastrear todo o conteúdo existente na Web e criar um sistema que indica, em segundos, os melhores links para bilhões de usuários que usam a internet é o que transformou o Google até em verbo (“googlar”). A preocupação é que a busca em formato de conversa concentre a interação dentro do Google de das plataformas de IA e reduza o acesso direto a sites.
— A busca por termos e respostas em links sempre gerou um mercado baseado em venda e ranqueamento de acordo com o grau de relevância. O próprio Google monetiza a partir do clique nos resultados de busca — lembra Ferreira, do NetLab.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2023/3/n/rXP6M1S1C1MUdmLBlW4w/64665157-file-in-this-wednesday-jan-4-2017-file-photo-google-ceo-sundar-pichai-speaks-during-a-new.jpg)
Hoje, 2 bilhões de usuários mensais recebem respostas com os resumos de IA no topo da busca. Algumas pesquisas já demonstraram que, quando o AI Overviews entra em jogo, as pessoas tendem a clicar menos nos primeiros links logo abaixo.
Sempre que questionado sobre isso, o Google nega prejuízos aos sites. A empresa costuma rebater evidências sobre queda no tráfego por causa da IA e afirma também que buscas desse tipo geram “cliques de qualidade” (o que significaria que as pessoas passariam mais tempo nos sites).
A verdade é que o debate ainda está aberto. Como notou o site especializado Mashable, um certo de clima de fins dos tempos está no ar. O The Wall Street Journal se referiu aos novos sistemas do Google como o “armagedom da IA”. A Columbia Journalism Review chamou o fenômeno de “apocalipse do tráfego”. Em reportagem de julho, a revista The Economist cravou: “a IA está matando a web”. É o que veremos daqui em diante.