MC Ita Vera’i e Dyeque Kaiowá falam sobre realidade de violência e silenciamento contra indígenas LGBT+
Douglas Fernandes Lopes, conhecido no palco como MC Ita Vera’i, e Dyeque Fernandes, o Dyeque Kaiowá, cantam a experiência e a violência sofrida por pessoas LGBT+ em aldeias indígenas do Mato Grosso do Sul. Eles são gays, levantam a bandeira com o orgulho, mas já foram até bloqueados por produtores quando descobrem de sua orientacao sexual
Cantores indígenas LGBT+ usam rap para denunciar violência e preconceito em Mato Grosso do Sul. MC Ita Vera’i e Dyeque Kaiowá, moradores de aldeias em Dourados, sofrem ameaças e atentados devido à sexualidade e encontraram na música uma forma de resistência. Eles relatam casos de violência, inclusive tentativas de homicídio, e apontam a influência de igrejas como um fator de agravamento da homofobia nas aldeias. A dupla denuncia o silenciamento da cultura tradicional indígena e queima de casas de reza. Douglas, o MC Ita Vera’i, afirma que o preconceito é um produto da colonização e que a homofobia não faz parte da cultura originária. Apesar das dificuldades e da discriminação, inclusive no meio artístico, eles seguem produzindo música e inspirando outros jovens indígenas a se assumirem. A música se tornou uma ferramenta de denúncia, salvando vidas e fortalecendo a luta pelos direitos LGBT+ dentro das comunidades indígenas.
Em uma rotina que inclui ameaças, atentados e tentativa de silenciamento, a arte virou ferramenta para denunciar, acolher e convocar.
A história de Douglas começa dentro de uma casa de reza na aldeia, em um ritual sagrado onde ele recebeu um novo nome indígena. “Eu participei do ritual, aí veio o meu nome, um novo nome para mim. Foi desse nome que fiz minha identificação artística, Ita Vera’i”, conta. O ritual e o nome apareceram como ponte entre identidade pessoal e pertencimento coletivo.
Mas, para ele, esse pertencimento, por vezes, está sendo corroído. “É raro agora porque as igrejas entraram bastante dentro da aldeia e isso acaba estragando, matando as nossas práticas e os nossos costumes”, diz Douglas. Ele atribui ao avanço de igrejas de outros segmentos religiosos a intensificação de discursos de ódio contra pessoas LGBT+ e contra rezadores, chamados pejorativamente por alguns como “feiticeiros”.
As lembranças que Douglas traz são cruéis e antigas, e ele relata tudo como testemunha de quem cresceu vendo mortes que foram disfarçadas como “acidentes”.
“Minha mãe sempre contava sobre casos de travestis sendo violentadas e mortas de maneira cruel. E essa violência também chegou até a mim. Esse ano, tentaram me queimar duas vezes. Minha casa foi invadida e fui ameaçado por causa da minha sexualidade”, revela.
Douglas fala também do medo de que crimes fiquem sem punição. “A gente convive com o meso porque muita gente é contra, acham que isso não faz parte da cultura”, define.
Foi na música, o lugar onde o jovem encontrou suporte para lidar com a LGBTfobia, denunciar crimes e expor a realidade de LGBTs dentro das aldeias. Segundo ele, as músicas que compõe não procuram apenas animar plateias. “Eu usei o Rap como um atalho para protestar através da arte, para mostrar minha história e a história dos LGBT ls indígenas”, relata.
Canções como ‘Nossa Luta’ e ‘Não Desista’ misturam versos em português e trechos em Guarani. Com letras impactantes e melodias fortes, ele falam como é ser LGBT indígena em Mato Grosso do Sul.
Para Dyeque, o caminho de descoberta da arte veio pela escola e por meio da música. Ele lembra dos primeiros palcos improvisados em sarais escolares e recreios, e da necessidade de coragem para se assumir em um ambiente hostil. “Eu me assumi e a família sofreu junto, foi uma tortura psicológica muito grande. Pensei até em tirar minha vida”, conta.
De acordo com o jovem, a música foi o que o salvou: “A arte realmente me tirou desse lugar”, afirma.
Aos poucos, os dois foram unindo força, arte e política. Douglas coordenou o coletivo Juventude Diversidade Guarani-kaiowá, criado a partir da morte violenta de um adolescente LGBT. O coletivo busca não só proteção, mas também fortalecer práticas culturais tradicionais e provar que ser LGBT não “mata” a cultura indígena.
O impacto foi grande e os dois já se apresentaram em Dourados, onde moram, Campo Grande e até em Brasília, no Acampamento Terra Livre, diante de milhares de pessoas.
Douglas lembra que a recepção foi de curiosidade e surpresa. “Muitos acharam que a gente faria apenas música para dançar, mas a gente foi para denunciar primeiro. Depois, vem a diversão e comemoração”, explica.
Uma das acusações mais duras feitas pelos entrevistados é a de ataques a práticas religiosas tradicionais: “Casas de reza, onde indígenas cultuam seus ancestrais, têm sido queimadas”, afirma Douglas. Ele associa esse tipo de violência simbólica e física à penetração de grupos religiosos que, segundo ele, “colonizaram as mentes” e passaram a ver rituais indígenas como mal ou feitiçaria.
Essa disputa religiosa, na visão do artista, alimenta a perseguição a LGBT+ e às lideranças que defendem a continuidade dos saberes tradicionais.
Tanto Douglas quanto Dyeque reafirmam que ser LGBT+ assumido entre os povos Guarani-Caiowá e Terena não é uma “importação” recente, mas uma realidade ancestral que foi abafada pela colonização.
“Os LGBTs sempre existiram, preconceito veio com a colonização”, diz Douglas. Para ele, a comunidade convive hoje nas aldeias, e com elas, se fortalece a necessidade de proteção e voz pública.
A dupla relata que o preconceito não parou nas aldeias e eles enfrentam dificuldades em acessar espaços culturais, com episódios de discriminação até mesmo de produtores. “Quando descobrem que somos LGBTs, eles bloqueiam, dão desculpa para não nos chamar”, diz.
Apesar do medo permanente os jovens afirmam que a música tem tido efeito coletivo transformador. Dyeque revela que, ao se expor, passou a ser referência. “Outros jovens passaram a se assumir e temos sido respeitados”, pontua. Para ele, a cena musical não é apenas carreira, mas um serviço comunitário que salva vidas, denuncia crimes, fortalece culturas e cria redes de proteção.
Douglas sintetiza. “A gente está lutando. Somos jovens indígenas Guarani-kaiowá e nossa identidade não é escolha, é parte de quem a gente é. A gente quer respeito e espaço para cantar, rezar e viver”, finaliza Douglas.
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